Mitos Modernos Sobre Batalhas Espírituais, Parte 2

Capítulo Trinta e Um (Chapter Thirty-One)

 

Continuamos este capítulo considerando mais alguns ensinos errados, mas populares a respeito de Satanás e batalhas espirituais. Na conclusão, consideraremos o que as Escrituras realmente dizem a respeito de batalhas espirituais que cada crente deve praticar.

Mito no 5: “ Podemos acabar com fortalezas demoníacas na atmosfera através da batalha espiritual”. (Myth #5: “We can pull down demonic strongholds in the atmosphere through spiritual warfare.”)

De acordo com as Escrituras, não há dúvida de que Satanás reina sobre uma hierarquia de espíritos malignos que habitam na atmosfera da Terra e que o ajudam a governar o reino das trevas. Que esses espíritos malignos são “territoriais”, governando sobre certas áreas geográficas, é um conceito também encontrado na Bíblia (veja Dn. 10:13, 20-21; Mc. 5:9-10); como também é bíblico que cristãos têm autoridade para expulsar demônios de outras pessoas e a responsabilidade de resistir ao demônio (veja Mc. 16:17; Tg. 4:7; 1 Pd. 5:8-9). Mas, podem os cristãos derrubar os espíritos malignos que reinam sobre cidades? A resposta é não; e tentar fazer isso é uma perca de tempo.

Só porque podemos expulsar demônios de pessoas, não devemos assumir que podemos derrubar os espíritos malignos que reinam sobre cidades. Existem vários exemplos nos evangelhos e no livro de Atos de expulsão de demônios das pessoas, mas você pode pensar em pelo menos um exemplo, nos evangelhos ou no livro de Atos, de alguém ter derrubado um espírito maligno que reinava sobre uma cidade ou região geográfica? Não pode, porque não existem tais exemplos. Você pode pensar em uma instrução em alguma epístola sobre nossa responsabilidade de derrubar espíritos malignos da atmosfera? Não, porque não existe. Por esse motivo, não temos base bíblica para crer que podemos ou devemos nos engajar em “batalhas espirituais” contra espíritos malignos na atmosfera.

Aprofundando Demasiadamente nas Parábolas (Pushing Parables Too Far)

Encontrar mais sentido na Bíblia do que Deus intencionou é um erro que cristãos cometem com grande frequência quando leem passagens que contêm linguagem metafórica. Um exemplo clássico de má interpretação de linguagem metafórica tem como base as palavras de Paulo sobre “derrubar fortalezas”:

Pois embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo. E estaremos prontos para punir todo ato de desobediência, uma vez estando completa a obediência de vocês (2 Co. 10:3-6).

Ao invés de dizer “destruímos argumentos”, a versão King James* diz que estamos “destruindo fortalezas”. Desta única frase metafórica, praticamente uma teologia inteira foi criada para defender a ideia de fazer “batalhas espirituais” para “destruir fortalezas” que consistem de espíritos malignos na atmosfera. Mas como a New American Standard Version* deixa claro, Paulo não está falando de espíritos malignos na atmosfera, mas de fortalezas de falsas crenças que existem nas mentes das pessoas. Argumentos é o que Paulo está destruindo, não espíritos malignos nos lugares altos.

Isso fica ainda mais claro quando lemos o contexto. Paulo disse: “Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (ênfase adicionada). A batalha da qual Paulo escreveu simbolicamente é uma batalha contra pensamentos ou ideias que são contra o verdadeiro conhecimento de Deus.

Usando metáforas militares, Paulo explica que estamos em uma batalha, uma batalha pelas mentes das pessoas que acreditam nas mentiras de Satanás. Nossa arma principal nessa batalha é a Verdade, que é o porquê de termos sido enviados ao mundo inteiro para pregar o evangelho, invadindo o território inimigo com uma mensagem que pode libertar os cativos. Os fortes que temos destruído foram construídos com tijolos de mentiras unidos pelo cimento da decepção.

Toda a Armadura de Deus (The Whole Armor of God)

Outra passagem de Paulo que muitas vezes é mal interpretada encontrada-se em Efésios 6:10-17, onde escreveu sobre nossa responsabilidade de colocar a armadura de Deus. Mesmo que essa passagem seja definitivamente sobre nossa luta contra o demônio e espíritos malignos, não há menção de derrubar espíritos malignos que estão sobre as cidades. Quando estudamos a passagem de perto, torna-se claro que Paulo estava escrevendo principalmente sobre a responsabilidade de cada indivíduo de resistir ao esquemas de Satanás em sua vida pessoal aplicando a verdade da Palavra de Deus.

Quando lemos essa passagem em particular, notamos também a linguagem metafórica evidente. Obviamente, Paulo não falava literalmente sobre uma armadura material que os cristãos devem vestir. A armadura sobre a qual escreveu é figurativa. Esses pedaços de armadura representam as várias verdades bíblicas que os cristãos devem usar como proteção contra o demônio e espíritos malignos. Por saber, crer e agir de acordo com a Palavra de Deus, os cristãos estão, figurativamente falando, vestidos da armadura de Deus.

Vamos examinar essa passagem em Efésios versículo por versículo, enquanto nos perguntamos, o que Paulo realmente queria nos transmitir?

A Fonte de Nossa Força Espiritual (The Source of Our Spiritual Strength)

Primeiramente, Paulo nos diz: “fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder” (Ef. 6:10). A ênfase está no fato de que não devemos tirar nossa força de nós mesmos, mas de Deus. Isso se torna mais claro na próxima afirmação de Paulo: “Vistam toda a armadura de Deus” (Ef. 6:11a). Essa armadura é de Deus, não nossa. Paulo não está dizendo que o próprio Deus usa armadura, mas que precisamos da armadura que Deus providenciou.

Por que precisamos dessa armadura que Deus providenciou?A resposta é: “para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo” (Ef. 6:11b). Essa armadura é principalmente para uso defensivo, não ofensivo. Não é para que possamos sair e derrubar espíritos malignos que estão sobre cidades; é para que possamos ficar firmes contra as ciladas do Diabo.

Aprendemos que o Diabo tem planos para nos atacar, e a menos que estejamos usando a armadura que Deus providenciou, estaremos vulneráveis. Note também que a responsabilidade de colocar a armadura é nossa, não de Deus.

Vamos continuar:

Pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais (Ef. 6:12).

Aqui, torna-se claro como cristal que Paulo não está falando sobre uma batalha física ou material, mas espiritual. Estamos lutando contra os planos de várias hierarquias de espíritos malignos os quais foram listados por Paulo. A maioria de leitores assume que Paulo os listou em ordem de autoridade, de baixo para cima; “poderes” sendo a classe mais baixa e “forças espirituais do mal nas regiões celestiais” sendo a classe mais alta.

Como podemos lutar contra seres espirituais? Essa pergunta pode ser respondida se perguntarmos: Como os seres espirituais podem nos atacar? Eles nos atacam principalmente com tentações, pensamentos, sugestões e ideias que contradizem a Palavra e a vontade de Deus. Portanto, nossa defesa é saber, crer e obedecer a Palavra de Deus.

Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo (Ef. 6:13).

Note mais uma vez que o propósito de Paulo é nos equipar para resistir aos ataques de Satanás e permanecer. Seu propósito não é nos equipar para atacarmos Satanás e derrubar espíritos malignos da atmosfera. Paulo nos diz para permanecermos inabaláveis três vezes. Nossa posição é a defesa, não o ataque.

Verdade — Nossa Defesa Principal (Truth — Our Primary Defense)

Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade (Ef. 6:14a).

A verdade é o que mantém nossa armadura no lugar. O que é a verdade? Jesus disse ao Seu Pai: “A tua palavra é a verdade” (Jo. 17:17). Não podemos permanecer firmes contra Satanás a menos que conheçamos a verdade com a qual podemos combater suas mentiras. Jesus demonstrou isso maravilhosamente quando foi tentado no deserto e respondia a todas as sugestões de Satanás com: “Está escrito”.

Paulo continuou:

Vestindo a couraça da justiça (Ef. 4:14b).

Como cristãos, devemos ser familiares com dois tipos de justiça. A primeira, recebemos como um presente, a justiça de Cristo (veja 2 Co. 5:21). Sua justiça tem sido implantada naqueles que creem em Jesus, aos que deixaram seus pecados na cruz. Essa justiça nos libertou dos domínios de Satanás.

Segunda, devemos viver em justiça, obedecendo os mandamentos de Jesus, e isso é provavelmente o que Paulo tinha em mente a respeito da couraça da justiça. Através da obediência a Cristo, não damos lugar ao Diabo (veja Ef. 4:26-27).

Pés Firmes nos Sapatos do Evangelho (Firm Footing in Gospel Shoes)

E tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz (Ef. 6:15).

Conhecer, crer e agir de acordo com a verdade do evangelho nos dá pés firmes para prevalecermos contra os ataques de Satanás. Os sapatos que os soldados romanos usavam tinham travas nas solas que lhes davam firmeza no campo de batalha. Quando Jesus é nosso Senhor, temos pés firmes para prevalecermos contra as mentiras de Satanás.

Além disso, usem o escudo da fé com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno (Ef. 6:16).

Note novamente a ênfase de Paulo em nossa postura defensiva. Ele não está falando de derrubarmos os demônios de sobre as cidades. Está falando sobre o uso da nossa fé na Palavra de Deus para resistir às mentiras do Diabo. Quando cremos e agimos de acordo com o que a Palavra de Deus diz, é como ter um escudo que nos protege das mentiras de Satanás, representadas figuradamente como “setas inflamadas do Maligno”.

Nossa Espada Espiritual — A Palavra de Deus (Our Spiritual Sword — God’s Word)

Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus (Ef. 6:17).

A salvação, como a Bíblia a descreve, inclui nossa libertação do cativeiro de Satanás. Deus nos “resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado” (Cl. 1:13). Saber isso é como ter um capacete que guarda nossas mentes de acreditar na mentira de Satanás de que ainda estamos em seu domínio. Satanás não é mais nosso mestre — Jesus é.

Além do mais, devemos pegar a “espada do Espírito” que, como Paulo explica, é uma figura para a Palavra de Deus. Como já mencionei, Jesus foi o exemplo perfeito de um guerreiro espiritual que manejou habilmente Sua espada espiritual. Durante Sua tentação no deserto Ele respondeu cada vez a Satanás, citando diretamente a Palavra de Deus. Da mesma forma, se formos derrotar o Diabo em um combate espiritual, devemos conhecer e crer no que Deus disse, se não, sucumbiremos a suas mentiras.

Note também que Jesus usou a “espada do Espírito” defensivamente. Alguns gostam de ressaltar para os que mantém a postura de que a armadura que Paulo escreveu é principalmente defensiva, que definitivamente a espada é uma arma ofensiva. Portanto, com um argumento fraco, tentam justificar sua teoria de que a passagem em Efésios 6:10-12 é aplicável a nossa suposta responsabilidade de “derrubar fortalezas” de espíritos malignos nos lugares celestiais.

Obviamente, depois de ler o motivo de Paulo do porquê os cristãos devem vestir a armadura de Deus (para que possam “ficar firmes contra as ciladas do Diabo”), sabemos que ele está falando principalmente de um uso defensivo da armadura. Além do mais, mesmo que pensem em uma espada como uma arma ofensiva, também podemos vê-la como defensiva, já que protege dos ataques da espada do inimigo e os bloqueia.

Além do mais, devemos ter cuidado para não deformarmos a metáfora, enquanto tentamos retirar das várias partes da armadura, significados que nem existem. Quando começamos a discutir sobre a natureza defensiva e ofensiva da espada, tendemos a “ir longe de mais nas parábolas”, por quanto desmontamos os pedaços de uma simples metáfora que nunca foi planejada para ser tão dissecada.

Mas Deus não nos Instruiu a “Amarrar o Homem Forte”? (But Didn’t Jesus Instruct Us to “Bind the Strong Man”?)

Encontramos três vezes nos evangelhos Jesus mencionando “amarrar o homem forte”. Contudo, em nenhum dos três casos Ele disse aos Seus seguidores que “amarrar o homem forte” era algo que devessem praticar. Vamos examinar exatamente o que Jesus disse, e vamos ler dentro do contexto:

E os mestres da lei que haviam descido de Jerusalém diziam: “Ele está com Belzebu! Pelo príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios”. Então Jesus os chamou e lhes falou por parábolas: “Como pode Satanás expulsar Satanás?Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir. Se uma casa estiver dividida contra si mesma, também não poderá subsistir. E se Satanás se opuser a si mesmo e estiver dividido, não poderá subsistir; chegou o seu fim. De fato, ninguém pode entrar na casa do homem forte e levar dali os seus bens, sem que antes o amarre. Só então poderá roubar a casa dele. Eu lhes asseguro que todos os pecados e blasfêmias dos homens lhes serão perdoados, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: é culpado de pecado eterno”. Jesus falou isso porque eles estavam dizendo: “Ele está com um espírito imundo”. (Mc. 3:23-30).

Note que Jesus não estava ensinando Seus seguidores a amarrarem nenhum homem forte. Ele estava respondendo às críticas dos escribas de Jerusalém com lógica indiscutível e uma metáfora clara.

Eles O acusaram de expulsar demônios usando poder demoníaco. Ele respondeu dizendo que Satanás seria insano de trabalhar contra si mesmo. Ninguém pode inteligentemente argumentar contra isso.

Se não foi o poder de Satanás que Jesus estava usando para expulsar demônios, de quem era o poder?Tinha que ser um poder maior que o de Satanás. Tinha que ser o poder de Deus, o poder do Espírito Santo. Portanto, Jesus falou metaforicamente de Satanás, comparando-o a um homem forte guardando suas posses. O único capaz de tirar as posses do homem forte seria alguém ainda mais forte, o próprio Deus. Essa foi a verdadeira explicação de como Ele expulsava demônios.

Essa passagem que menciona o homem forte, assim como as similares encontradas em Mateus e Lucas, não podem ser usadas para justificar “amarrar o homem forte” sobre cidades. Adicionalmente, quando examinamos o resto do Novo Testamento, não encontramos exemplo algum de uma pessoa “amarrando o homem forte” sobre cidades, ou qualquer instrução para que assim o façam. Portanto, podemos concluir seguramente que não é bíblico que qualquer cristão tente amarrar e render um suposto “homem forte – espírito maligno” sobre uma cidade ou área geográfica.

Mas e Sobre “Amarrar no Céus e na Terra”? (What About “Binding on Earth and in Heaven”?)

Só encontramos duas vezes nos evangelhos as palavras de Jesus: “O que você amarrar na terra será [ou ‘terá sido’] amarrado nos céus, e o que você liberar na terra será [ou ‘terá sido’] liberado nos céus”*. Ambas estão registradas no evangelho de Mateus.

Jesus estava nos ensinando que podemos e devemos “amarrar” espíritos demoníacos na atmosfera?

Primeiro, vamos considerar Suas palavras amarrar e liberar. O uso dessas palavras por Jesus é obviamente figurativo, já que, com certeza, Ele não quis dizer que Seus seguidores pegariam cordas e literalmente amarrariam algo ou libertariam algo que estava amarrado com cordas. Então, o que Jesus quis dizer?

Para encontrarmos a resposta devemos olhar ao Seu uso das palavras amarrar e liberar dentro do contexto do que estava falando naquela hora. Ele estava falando sobre espíritos malignos? Se sim, podemos concluir que Sua palavra sobre amarrar tem aplicação ao amarrar de espíritos malignos.

Vamos examinar a primeira passagem em que Jesus menciona amarrar e liberar:

“E vocês?”, perguntou ele [Jesus]. “Quem vocês dizem que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Respondeu Jesus: “Feliz é você Simão, filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus. E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino dos céus; o que você amarrar na terra terá sido amarrado nos céus, e o que você liberar na terra terá sido liberado nos céus” (Mt. 16:15-19, ênfase adicionada).

Sem dúvida a razão dessa passagem ter sido interpretada de tantas maneiras diferentes é que ela contém pelo menos cinco expressões metafóricas: (1) “carne ou sangue”, (2) “pedra”, (3) “portas do Hades”, (4) “chaves do Reino dos céus” e (5) “amarrar/liberar”. Todas essas expressões são figurativas, ou seja, falam de outra coisa.

Portas do Hades (Hades’ Gates)

Mesmo sem considerar o significado preciso das metáforas, podemos ver que, nessa passagem, Jesus não estava falando de espíritos malignos. O mais perto que chegou foi quando mencionou “as portas do Hades”, que são obviamente simbólicas, já que não é possível que as portas do Hades façam algo para prejudicar a Igreja.

O que “as portas do Hades” representam? Talvez simbolizam o poder de Satanás, e Jesus quis dizer que o poder de Satanás não impediria que Sua Igreja fosse construída. Ou talvez, quis dizer que a Igreja que Ele construiria salvaria as pessoas para que não fossem aprisionadas “atrás” das portas do Hades.

Note que, na verdade, Jesus mencionou duas portas: as portas do Hades e as portas para o céu, implícitas quando Ele deu a Pedro as “chaves dos céus”. Esse contraste suporta ainda mais a ideia de que a afirmação de Jesus representa o papel da Igreja de salvar as pessoas que estão indo para o Hades.

Mesmo que Jesus tenha dito que “todo o poder de Satanás não pararia Sua Igreja”, não podemos pular para a conclusão que Seus comentários sobre amarrar e liberar são instruções para o que devemos fazer com espíritos malignos que pairam sobre cidades, pela simples razão de que não podemos encontrar exemplos nos evangelhos ou em Atos de alguém amarrando tais espíritos malignos, nem podemos encontrar instruções nas epístolas para que façamos tal coisa. De qualquer forma que interpretarmos as palavras de Cristo sobre amarrar e liberar, nossa interpretação deve ser baseada contextualmente com o resto do Novo Testamento.

Já que não há exemplo bíblico algum, é incrível a frequência com que cristãos dizem coisas como: “Eu amarro o Diabo no nome de Jesus” ou “Eu libero os anjos sobre aquela pessoa” e assim por diante. Não encontramos ninguém dizendo tais coisas no Novo Testamento. A ênfase de Atos e das epístolas não é em falar com o Diabo ou amarrar e liberar espíritos malignos, mas em pregar o evangelho e orar a Deus. Por exemplo, quando Paulo estava sendo continuamente atormentado por um mensageiro (literalmente “anjo”) de Satanás, ele não tentou “amarrá-lo”. Ele orou a Deus sobre isso (veja 2 Co. 12:7-10).

As Chaves para o Céu (The Keys to Heaven)

Vamos olhar mais profundamente o contexto imediato das palavras de Jesus sobre amarrar e liberar. Note que logo após ter mencionado amarrar e liberar, Jesus disse que daria a Pedro “as chaves do Reino dos céus”. Pedro nunca recebeu chaves de verdade para as portas do céu, e portanto, as palavras de Jesus devem ser interpretadas figuradamente. O que as “chaves”representam? Representam um meio de acessar algo que está trancado. Quem tem a chave, tem meios que os outros não têm para abrir certas portas.

Enquanto consideramos o ministério de Pedro como registrado no livro de Atos, o que ele está fazendo que poderia ser considerado comparável a abrir portas que estão trancadas a outros?

Acima de tudo, o encontramos proclamando o evangelho; o evangelho que abre as portas do céu para todos os que creem (e o evangelho que fecha as portas do Hades). Nesse sentido, todos nós recebemos as chaves para o Reino dos céus, já que somos todos embaixadores de Cristo. As chaves para o Reino dos céus só podem ser o evangelho de Jesus Cristo, a mensagem que pode abrir as portas do céu.

E Agora, Amarrar e Liberar (And Now, Binding and Loosing)

Finalmente, depois de prometer dar a Pedro as chaves para o Reino dos céus, Jesus faz Sua afirmação sobre amarrar e liberar; Sua quinta expressão figurativa na passagem sob consideração.

Dentro do contexto das afirmações que já examinamos, o que Jesus quis dizer? Que ligação há entre: Pedro amarrar e liberar, Jesus construir Sua Igreja, a salvação de pessoas do Hades e a proclamação do evangelho?

Realmente só há uma possibilidade. Jesus quis dizer: “Estou autorizando você a ser o representante do céu. Cumpra sua responsabilidade na terra, e o céu irá te apoiar”.

Se um patrão dissesse ao seu vendedor : “O que você fizer na filial em Bangcoc será feito na matriz”, como o vendedor interpretaria as palavras de seu chefe? Ele entenderia que estava autorizado a representar sua companhia em Bangcoc. Tudo o que Jesus quis dizer é que Pedro, na terra, estava autorizado a representar Deus no céu. Essa promessa a Pedro seria um reforço para a sua confiança quando começasse a proclamar a mensagem de Deus em Jerusalém sob os olhos críticos dos escribas e fariseus — pessoas que se consideravam representantes autorizados de Deus e pessoas a quem Pedro antes reverenciava como tais.

Essa interpretação das palavras de Jesus está em harmonia com Seu segundo uso, encontrado dois capítulos à frente no evangelho de Mateus:

Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de modo que qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano. Digo-lhes a verdade: Tudo o que vocês amarrarem na terra terá sido amarrado no céu, e tudo o que vocês liberarem na terra terá sido liberado no céu. Também lhes digo que se dois de vocês concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus. Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles (Mt. 18:15-20, ênfase adicionada).*

Nessa segunda passagem, não há absolutamente nada dentro do contexto que nos levaria a crer que Jesus estava falando de amarrar espíritos malignos. Aqui, Cristo falou sobre amarrar e liberar imediatamente depois de falar sobre disciplina da Igreja.

Isso pareceria indicar que a respeito de amarrar e liberar nessa passagem, Jesus quis dizer algo como: “Estou dando a você a responsabilidade de determinar quem deve estar na Igreja e quem não deve. É seu trabalho. Enquanto você cumpre suas responsabilidades, o céu te apoiará”.

Em uma aplicação mais abrangente, Jesus estava simplesmente dizendo: “Vocês são representantes autorizados do céu na terra. Vocês têm responsabilidades e enquanto cumprirem suas responsabilidades na terra, o céu sempre lhes apoiará”.

Amarrar e Liberar no Contexto (Binding and Loosing in Context)

Essa interpretação se encaixa bem no contexto imediato, assim como no contexto mais remoto do Novo Testamento.

A respeito do contexto imediato, notamos que, imediatamente depois de Sua afirmação sobre amarrar e liberar, Jesus disse: “Também lhes digo que se dois de vocês concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus” (Mt. 18:19, ênfase adicionada).

Aqui está novamente o tema “o que você fizer na terra será apoiado no céu”. Nós, na terra, estamos autorizados a orar e somos responsáveis por essa tarefa. Quando assim o fizermos, o céu responderá. As palavras de Jesus, “Também lhes digo…” parecem indicar que Ele está expandindo Sua afirmação anterior sobre amarrar e liberar.

A afirmação final de Jesus nessa passagem: “Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles”, também suporta o tema “o céu lhes apoiará”. Quando crentes se reúnem em Seu nome, Ele, que mora no céu, aparece.

Mesmo que você discorde completamente da minha interpretação das passagens sob consideração, você será colocado contra a parede para apresentar um argumento bíblico e forte provando que Jesus estava falando sobre amarrar e liberar espíritos malignos que pairam sobre cidades.

O Plano Divino de Deus Inclui Satanás (God’s Divine Plan Includes Satan)

Satanás e seus anjos são um exército rebelde, mas não um exército que está além do controle de Deus. Esse exército rebelde foi criado por Deus (mesmo que não fosse rebelde quando criado). Paulo escreveu:

Pois nele [Cristo] foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele (Cl. 1:16, ênfase adicionada).

Jesus criou todos os espíritos angelicais de todos os postos, incluindo Satanás. Ele sabia que alguns iriam se rebelar? É claro que sim. Então, por que os criou? Porque usaria aqueles espíritos rebeldes para ajudá-lo a cumprir Seu plano. Se Ele não tivesse um plano para eles, simplesmente os teria encarcerado, como sabemos que já fez com alguns anjos rebeldes (veja 2 Pd. 2:4) e como fará um dia com Satanás (veja Ap. 20:2).

Deus tem motivos para permitir que Satanás e todos os espíritos malignos operem na terra. Se não tivesse, estariam completamente fora de serviço. Quais são os motivos de Deus para permitir que Satanás opere na terra?Acho que ninguém entende todos os motivos; mesmo assim, Deus revelou alguns deles em Sua Palavra.

Primeiro, Deus permite que Satanás opere limitadamente na terra para cumprir Seu plano de testar os humanos. Satanás é a escolha alternativa para a fidelidade humana. Percebendo ou não, as pessoas estão sujeitas a Deus ou a Satanás. Deus permitiu que Satanás tentasse Adão e Eva, duas pessoas que tinham o livre arbítrio dado por Deus, para testá-los. Todos os que possuem livre arbítrio devem ser testados para que seja revelado o que realmente está em seus corações: obediência ou desobediência. [1]

Segundo, Deus permite que Satanás opere limitadamente na terra como um agente de Sua ira sobre os malfeitores. Já provei isso anteriormente, mostrando vários exemplos específicos nas Escrituras, onde Deus trouxe julgamento sobre as pessoas que mereciam através de espíritos malignos. O fato de Deus ter permitido que Satanás reinasse sobre as pessoas incrédulas do mundo é uma indicação de Sua ira sobre elas. Deus julga grupos de pessoas corruptas permitindo que humanos perversos reinem sobre elas, assim também como espíritos malignos, tornando suas vidas ainda mais miseráveis.

Terceiro, Deus permite que Satanás opere limitadamente na terra para glorificar a Si mesmo. “Para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do Diabo (1 Jo. 3:8). Cada vez que Deus destrói um dos trabalhos de Satanás, Seu poder e sabedoria são glorificados.

Jesus é o Cabeça Sobre os Poderes e Principados (Jesus is the Head Over Principalities and Powers)

Como cristãos, nossa responsabilidade bíblica para lidar com Satanás e espíritos malignos é dupla: resistir a eles em nossas próprias vidas (Tg. 4:7) e expulsá-los da vida de quem quer ser liberto (Mc. 16:17). Qualquer cristão que tenha experiência em expulsar demônios de pessoas sabe que, como regra geral, ele não será capaz de expulsar o demônio a menos que a pessoa endemoninhada queira ser liberta. [2] Deus honra o livre arbítrio de cada pessoa e se alguém quiser permanecer possesso, Deus não o impedirá.

Esse é outro motivo do porquê não podermos derrubar espíritos territoriais de sobre áreas geográficas. Aqueles espíritos estão segurando pessoas enlaçadas porque é isso que elas escolheram. Através da proclamação do evangelho a elas, oferecemos uma escolha. Se fizerem a escolha certa, o resultado será sua libertação de Satanás e dos espíritos malignos. Se fizerem a escolha errada, escolhendo não se arrependerem, Deus continuará permitindo que Satanás os mantenha cativos.

Jesus é mencionado nas Escrituras como “o Cabeça de todo poder e autoridade” (Cl. 2:10). Mesmo que as palavras gregas para poder (arche) e autoridade (exousia) sejam, às vezes, usadas para descrever líderes políticos humanos, também são usadas no Novo Testamento como títulos para governadores espirituais demoníacos. A passagem clássica sobre a luta dos cristãos contra poderes (arche) e autoridades (exousia) em Efésios 6:12 é um exemplo.

Quando lemos dentro do contexto o que Paulo escreveu sobre Jesus ser o Cabeça de todo poder e autoridade em Colossenses 2:10, parece claro que está falando de poderes espirituais. Por exemplo, na mesma passagem, somente quatro versículos depois, Paulo escreve sobre Jesus: “E, tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz” (Cl. 2:15, ênfase adicionada).

Se Jesus é o Cabeça dos poderes e autoridades espirituais, Ele é soberano sobre eles. Essa é uma maravilhosa revelação aos cristãos que vivem em culturas pagãs e animistas e que gastaram parte de suas vidas adorando ídolos com medo dos espíritos malignos que sabiam, reinavam sobre eles.

O Único Meio de Fuga (The Only Way of Escape)

A única maneira de escapar do cativeiro de espíritos malignos é se arrepender e crer no evangelho. Esse é o escape que Deus providenciou. Ninguém pode amarrar as forças demoníacas que pairam sobre cidades e se libertar completamente ou parcialmente. Até que uma pessoa se arrependa e creia no evangelho, ela permanecerá na ira de Deus (veja Jo. 3:36), que inclui estar presa por poderes demoníacos.

É por isso que não há mudanças mensuráveis nas cidades onde as grandes conferências sobre batalhas espirituais acontecem, porque nada aconteceu que tenha realmente afetado as hierarquias demoníacas que reinam sobre essas áreas. Os cristãos podem gritar com os poderes e principados dia e noite; podem tentar atormentar o Diabo com o que chamam de “línguas guerreiras”; podem dizer “eu vos amarro, espíritos malignos de sobre essa cidade” um milhão de vezes; podem até fazer todas essas coisas de aviões ou do andar mais alto dos arranhacéus (como alguns fazem); mas a única coisa que provocarão nos espíritos malignos é fazê-los rir muito dos cristãos tolos.

Vamos prosseguir para o sexto mito moderno sobre batalhas espirituais.

Mito no6: “Batalhas espirituais contra espíritos territoriais abrem as portas para evangelismo efetivo”. (Myth #6: “Spiritual warfare against territorial spirits opens the door for effective evangelism.”)

A motivação de muitos cristãos que estão grandemente envolvidos em batalhas espirituais contra espíritos territoriais é seu desejo de ver o Reino de Deus crescer. Por isso devem ser elogiados. Todos os cristãos devem desejar ver mais pessoas escaparem das garras de Satanás.

Contudo, é importante que usemos os métodos de Deus para construirmos Seu Reino. Deus sabe o que funciona e o que é perca de tempo. Ele tem nos falado exatamente quais são nossas responsabilidades a respeito da expansão de Seu Reino. Pensar que podemos fazer algo que multiplicará a efetividade de nosso evangelismo, algo que não está nas Escrituras ou que Jesus, Pedro ou Paulo nunca praticaram em seus ministérios, é besteira.

Por que tantos cristãos pensam que batalhas espirituais podem abrir as portas para o evangelismo efetivo?Sua linha de raciocínio é algo parecido com isso: “Satanás tem cegado as mentes dos pecadores; portanto, precisamos fazer batalhas espirituais contra ele para impedir que faça isso. Uma vez que os tapa-olhos sejam retirados, mais pessoas crerão no evangelho”. Isso é verdade?

Com certeza, não há dúvida de que Satanás tem cegado as mentes dos descrentes. Paulo escreveu:

Mas se o nosso evangelho está encoberto, para os que estão perecendo é que está encoberto. O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes. Para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus (2 Co. 4:3-4).

A questão é, Paulo deu essa informação aos crentes de Corínto com a intenção de motivá-los a fazerem batalhas espirituais e derrubar espíritos territoriais, para que pessoas incrédulas se tornassem mais receptivas?

A resposta é não por vários motivos óbvios.

Primeiro, porque Paulo não continuou dizendo: “Portanto coríntios, porque Satanás tem cegado as mentes dos ímpios, quero que vocês façam batalhas espirituais e derrubem espíritos territoriais para que os tapa-olhos sejam removidos”. Em vez disso, a próxima coisa que mencionou foi sua pregação de Cristo, que é a maneira de remover a cegueira espiritual.

Segundo, em nenhuma de suas cartas Paulo instruiu qualquer crente a se envolver em derrubar fortalezas de sobre suas cidades para que o evangelismo crescesse.

Terceiro, depois de ler todas as cartas de Paulo sabemos que ele não acreditava que os tapa-olhos de Satanás eram o motivo principal do porquê os descrentes continuavam a não crer. Os tapa-olhos de Satanás contribuem, mas não são o único ou principal fator. O principal fator que mantém as pessoas incrédulas é a dureza de seus corações. Isso é óbvio pelo simples motivo de que Satanás não é capaz de manter todos cegos. Algumas pessoas, quando ouvem a verdade, creem e, portanto, rejeitam qualquer mentira em que acreditavam. Não é que os tapa-olhos de Satanás causam a falta de crença, mas sim a falta de crença que permite os tapa-olhos de Satanás.

Corações Duros (Callous Hearts)

Em sua carta aos efésios, o apóstolo Paulo explicou exatamente porque os ímpios permanecem na falta de crença:

Assim, eu lhes digo, e no Senhor insisto, que não vivam mais como os gentios, que vivem na inutilidade dos seus pensamentos. Eles estão obscurecidos no entendimento [talvez uma referência aos tapa-olhos de Satanás] e separados da vida de Deus por causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento do seu coração. Tendo perdido toda a sensibilidade, eles se entregaram à depravação, cometendo com avidez toda espécie de impureza (Ef. 4:17-19, ênfase adicionada).

Paulo disse que os incrédulos estão excluídos da vida de Deus “por causa da ignorância em que estão”. Mas por que são ignorantes?Por que foram “obscurecidos no entendimento”?A resposta é: “devido ao endurecimento do seu coração”. Eles perderam a “sensibilidade”. Essa é a razão principal do porquê as pessoas continuarem descrentes. [3] Elas são as culpadas. Satanás só fornece as mentiras que querem acreditar.

A parábola de Jesus do semeador e do solo ilustra esse conceito perfeitamente:

O semeador saiu a semear. Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram… Este é o significado da parábola: A semente é a palavra de Deus. As que caíram à beira do caminho são os que ouvem, e então vem o Diabo e tira a palavra do seu coração, para que não creiam e não sejam salvos (Lc. 8:5, 11-12).

Note que a semente, que representa o evangelho, caiu na beira da estrada e foi pisada. Ela não pôde penetrar no solo duro onde as pessoas andavam com frequência. Portanto, foi fácil para que pássaros, que representam o Diabo, a roubassem.

O objetivo da parábola é comparar a condição dos corações das pessoas (e sua receptividade à Palavra de Deus) a vários tipos de solo. Jesus estava explicando por que algumas pessoas creem e outras não: tudo depende delas.

Como Satanás aparece nessa imagem? Ele só é capaz de roubar a Palavra daqueles que estão com o coração duro. Os pássaros da parábola só foram uma causa secundária do porquê as sementes não germinaram. O problema principal era o solo; na verdade, foi a dureza do solo que tornou possível que os pássaros pegassem as sementes.

Isso também se aplica ao evangelho. O problema real é a dureza dos corações dos agentes morais. Quando as pessoas rejeitam o evangelho, elas tomam a decisão de continuarem cegas. Elas preferem acreditar em mentiras do que na verdade. Como Jesus disse: “A luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más” (Jo. 3:19, ênfase adicionada).

A Bíblia não nos leva a acreditar que as pessoas são sinceras e de bom coração e que certamente acreditariam no evangelho, se Satanás simplesmente parasse de cegá-las. Pelo contrário, ela nos dá uma imagem bem escura do caráter humano, e Deus cobrará cada um por suas escolhas pecaminosas. Sentado em Seu trono de julgamento, Ele não aceitará a desculpa: “o Diabo me fez fazer isso”.

Como Satanás Cega as Mentes das Pessoas (How Satan Blinds People’s Minds)

Como exatamente Satanás cega as mentes das pessoas?Ele tem algum poder espiritual místico que derrama sobre a cabeça das pessoas para entorpecer seu entendimento?Um demônio enfia suas garras em seus cérebros, causando um curto-circuito em seu pensamento racional?Não, Satanás cega as pessoas fornecendo-lhes mentiras em que acreditem.

Obviamente, se as pessoas realmente acreditassem na verdade que Jesus é o Filho de Deus que morreu por seus pecados, se realmente acreditassem que um dia terão que comparecer diante dEle para prestar contas de suas vidas, então se arrependeriam e se tornariam seguidoras dEle. Mas não acreditam nessas coisas; porém, acreditam em algo. Podem acreditar que não há um Deus ou que não há vida após a morte. Podem acreditar em reencarnação ou que Deus nunca mandaria alguém para o inferno. Podem acreditar que suas obras as levarão ao céu. Mas não importa no que acreditam, se não for no evangelho, pode ser resumido em um palavra: mentiras. Elas não acreditam na verdade e, portanto, Satanás as mantém cegas através de mentiras. Se, contudo, elas se humilharem e acreditarem na verdade, Satanás não será capaz de cegá-las mais.

As Mentiras das Trevas (The Lies of Darkness)

O reino de Satanás é mencionado nas Escrituras como o “domínio das trevas” (Cl. 1:13). As trevas, é claro, representam a ausência da verdade — a ausência de luz ou claridade. Quando você está nas trevas, caminha de acordo com a sua imaginação e normalmente acaba ferido. É assim no reino de trevas de Satanás. Os que estão lá levam suas vidas de acordo com suas imaginações e estas foram contaminadas pelas mentiras de Satanás. Estão em trevas espirituais.

Portanto, o reino de Satanás é melhor definido, não como um reino geográfico com fronteiras definidas, mas como um reino de crença — isto é, de mentiras. O reino das trevas está localizado no mesmo lugar que o reino de luz. Os que acreditam na verdade vivem entre os que acreditam em mentiras. [4] Nosso trabalho principal é proclamar a verdade às pessoas que já acreditam em mentiras. Quando alguém crê na verdade, Satanás perde outro servo, pois não é mais capaz de enganá-lo.

Portanto, libertamos os pecadores das mãos de Satanás, não por “amarrar” os espíritos que estão sobre eles, mas por proclamar a verdade. Jesus disse: “E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo. 8:32, ênfase adicionada). A verdade cura a cegueira espiritual.

Dentro dessa mesma passagem das Escrituras no evangelho de João, Jesus disse a uma multidão de ímpios:

Vocês pertencem ao pai de vocês, o Diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira. No entanto, vocês não crêem em mim, porque lhes digo a verdade (Jo. 8:44-45, ênfase adicionada).

Note o contraste que Jesus fez entre Ele e o Diabo. Ele fala a verdade; Satanás é o primeiro mentiroso.

Note também que mesmo Jesus tendo falado a Seus ouvintes que tinham como pai o Diabo, e mesmo tendo exposto Satanás como mentiroso, ainda colocou sobre eles a responsabilidade de crerem na verdade que falava. Não era por culpa do Diabo que eles estavam cegos — a culpa era deles. Jesus os considerou responsáveis. Satanás ajuda as pessoas que “amam as trevas” a permanecerem nas trevas fornecendo a elas mentiras nas quais acreditem. Mas Satanás não pode enganar ninguém que crê na verdade.

Tudo isso sendo verdade, a principal maneira de atrapalharmos o reino das trevas é espalhando a luz — a verdade da Palavra de Deus. É por isso que Jesus não falou: “Vão a todo o mundo e amarrem o Diabo”, mas: “Vão a todo o mundo e preguem o evangelho”. Jesus disse a Paulo que o objetivo de sua pregação seria “abrir-lhes os olhos e convertê-los das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus” (At. 26:18, ênfase adicionada). Isso deixa claro que as pessoas fogem do domínio de Satanás quando são expostas à verdade do evangelho e tomam a decisão de saírem das trevas e irem para a luz, crendo na verdade ao invés de em uma mentira. As únicas fortalezas que estamos “derrubando” são fortalezas de mentiras construídas nas mentes das pessoas.

Este é o Plano de Deus (This is God’s Plan)

Não se esqueça que foi Deus quem lançou Satanás do céu para a terra. Ele poderia ter colocado Satanás em qualquer lugar do universo ou tê-lo encarcerado para sempre. Mas não fez isso. Por quê? Porque Deus queria usar Satanás para alcançar Seu objetivo final — o objetivo de, um dia, ter uma grande família de agentes morais livres que O amem, tendo escolhido servi-Lo.

Se Deus queria uma família de filhos que O amassem, duas coisas eram necessárias. Primeiro, teria que criar pessoas com o livre arbítrio, pois a base do amor é o livre arbítrio. Robôs e máquinas não podem amar.

Segundo, teria que testá-los em um ambiente onde teriam que enfrentar a escolha de obedecer ou desobedecer; amá-Lo ou odiá-Lo. Agentes morais livres devem ser testados. E se haverá um teste de fidelidade, deverá existir uma tentação à infidelidade. Assim, começamos a entender porque Deus colocou Satanás na terra. Satanás serviria como a escolha alternativa para a fidelidade humana; sendo-lhe permitido (com algumas limitações) influenciar qualquer um receptivo às suas mentiras. Todos enfrentariam uma escolha: Acreditarei em Deus ou em Satanás? Servirei a Deus ou a Satanás? Percebendo ou não, todos já fizeram uma escolha. Nosso trabalho é encorajar as pessoas que tomaram a decisão errada a se arrependerem e acreditarem no evangelho, tomando a decisão certa.

Não foi isso o que aconteceu no Jardim do Éden? Deus colocou a árvore do conhecimento do bem e do mal ali e então proibiu que Adão e Eva comessem dela. Se Deus não queria que comessem dela, por que a colocou ali? A resposta é que ela servia como um teste.

Também notamos que Satanás recebeu permissão de Deus para tentar Eva. Novamente, se a fidelidade precisa ser testada, deve existir a tentação para ser infiel. Satanás mentiu para Eva e ela acreditou nele; portanto, ao mesmo tempo decidiu não acreditar no que Deus lhe tinha dito. O resultado? Os primeiros agentes morais revelaram a deslealdade que estava em seus corações.

De maneira similar, todos os agentes morais livres são testados no decorrer de suas vidas. Deus se revelou através de Sua criação e, portanto, todos podem ver que existe um Deus incrível (veja Rm. 1:19-20). Deus deu a cada um de nós uma consciência, e em nossos corações, distinguímos o errado do certo (veja Rm. 2:14-16). Foi permitido a Satanás e a seus espíritos malignos que, de maneira limitada, mentissem e tentassem as pessoas. O resultado é que todos os agentes morais livres são testados.

A triste verdade é que todos os agentes morais livres se rebelaram e “trocaram a verdade de Deus pela mentira” (Rm. 1:25). Contudo, podemos agradecer a Deus por ter providenciado para nós um resgate de nossos pecados e uma maneira de nascermos em Sua família. A morte sacrificial de Jesus é o único caminho e a resposta suficiente para o nosso problema.

A Decepção de Satanás, Agora e Mais Tarde (Satan’s Deception, Now and Later)

Então, entendemos pelo menos uma razão do porquê é permitido que o Diabo e seu exército rebelde trabalhem neste planeta: para enganar aqueles que amam as trevas.

Essa verdade é comprovada quando consideramos que, de acordo com o livro de Apocalipse, um dia Satanás será preso por um anjo e encarcerado por mil anos. O motivo desse aprisionamento? “Para assim impedi-lo de enganar as nações” (Ap. 20:3). Durante esse Milênio, Jesus reinará o mundo pessoalmente de Jerusalém.

Mas depois desse mil anos, Satanás será solto por um curto período de tempo. O resultado? Ele “sairá para enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra”(Ap. 20:8).

Se Deus não quer que Satanás engane as pessoas naquele tempo, por que Ele o libertará? Especialmente sob a luz de que Deus originalmente encarcerou Satanás “para impedi-lo de enganar as nações”?

É claro que Deus preferiria que Satanás nunca enganasse alguém. Mas Ele sabe que as únicas pessoas a quem Satanás pode enganar são aquelas que rejeitam a verdade, e é por isso que Deus permite que ele opere agora, e permitirá que opere depois. Enquanto Satanás engana as pessoas, a condição dos corações delas é aparente, e então, Deus pode separar o “trigo do joio” (veja Mt. 13:24-30).

Isso é exatamente o que acontecerá no fim do Milênio quando Satanás for solto. Ele enganará todos os que amam as trevas, e então reunirá seus exércitos ao redor de Jerusalém em uma tentativa de acabar com o reinado de Cristo. Deus saberá exatamente quem O ama e quem O odeia, e imediatamente mandará fogo do céu que os devorará (veja Ap. 20:9). Satanás servirá aos propósitos de Deus, assim como faz agora. Por esse motivo, entre outros, é besteira pensar que podemos “derrubar espíritos territoriais”. Deus permite que operem, pois tem Seus motivos.

Evangelismo Bíblico (Biblical Evangelism)

O fato é que nem Jesus nem qualquer um dos apóstolos do Novo Testamento praticaram o tipo de batalha espiritual que alguns dizem ser a chave perdida para o evangelismo efetivo de hoje. Nunca encontramos Jesus, Pedro, João, Estevão, Filipe ou Paulo “derrubando fortalezas” ou “amarrando o homem forte” de sobre as cidades onde pregavam. Ao invés disso, vemos que seguiam o Espírito Santo a respeito de onde deveriam pregar; encontramos esse homens proclamando o evangelho simples — chamando as pessoas ao arrependimento e fé em Cristo — e os encontramos aproveitando os resultados maravilhosos. E nos casos em que pregaram a pessoas não-receptivas que rejeitaram o evangelho, não os vemos “fazendo batalhas espirituais para que Satanás não fosse capaz de continuar cegando suas mentes”. Contudo, os encontramos sacudindo o pó de seus pés, como Jesus mandou e indo para a próxima cidade (veja Mt. 10:14; At. 13:5).

É incrível que alguém possa dizer que “derrubar fortalezas” e “amarrar o homem forte” sejam pré-requisitos ao evangelismo com sucesso, quando existem milhares de exemplos de grandes reavivamentos na história da Igreja onde “batalhas espirituais” nunca foram praticadas.

“Mas nossas técnicas funcionam!”, alguns dizem. “Desde que começamos a fazer esse tipo de batalha espiritual, mais pessoas têm sido salvas que antes”.

Se isso for verdade, lhe direi porquê. Porque têm havido mais orações de acordo com a Bíblia e mais evangelismo feitos ao mesmo tempo, ou porque um grupo de pessoas se tornou repentinamente receptível ao evangelho.

O que você diria se um evangelista lhe dissesse: “Hoje, antes de pregar no culto de reavivamento, comi três bananas. E quando preguei, dezesseis pessoas foram salvas! Finalmente encontrei o segredo do evangelismo efetivo! De agora em diante, sempre comerei três bananas antes de pregar!”?

Com certeza, você diria ao evangelista: “O fato de você ter comido três bananas não influenciou em nada com o fato das dezesseis pessoas terem sido salvas. A chave para o seu sucesso é que você pregou o evangelho e havia dezesseis ouvintes receptivos”.

Deus honra Sua Palavra. Se Ele fizer uma promessa e alguém se encaixar naquela promessa em particular, manterá Sua promessa, mesmo que essa pessoa esteja fazendo outras coisas não-bíblicas.

Isso se aplica às atuais práticas de batalhas espirituais. Se você começar a evangelizar e a “amarrar o homem forte” que está sobre sua cidade, certa porcentagem de pessoas será salva. E se começar a evangelizar sem amarrar o homem forte, a mesma porcentagem de pessoas será salva.

Como Orar Biblicamente por uma Colheita Espiritual (How to Pray Scripturally for a Spiritual Harvest)

Como devemos orar por pessoas incrédulas? Primeiro, devemos entender que não há instrução no Novo Testamento que nos diga como orar para que Deus salve pessoas, nem há registros dos