Confrontação, Perdão e Reconciliação

Capítulo Vinte e Quatro (Chapter Twenty-Four)

Quando estudamos o Sermão do Monte de Jesus em um capítulo anterior, aprendemos como é importante que perdoemos os que pecam contra nós. Se não os perdoarmos, Jesus promete solenemente que Deus não nos perdoará (veja Mt. 6:14-15).

O que significa perdoar alguém? Vamos considerar o que as Escrituras ensinam.

Jesus comparou perdão com apagar as dívidas de alguém (veja Mt. 18:23-35). Imagine que alguém lhe deva dinheiro e, então, que você libera essa pessoa de sua obrigação de lhe pagar. Você destrói o documento que registra essa dívida. Você não espera mais pelo pagamento e não tem raiva de seu devedor. Agora, você o vê de forma diferente de quando ele lhe devia.

Também podemos entender melhor o que significa perdoar se considerarmos o que significa ser perdoado por Deus. Quando Ele nos perdoa de um pecado, não nos considera responsáveis pelo que fizemos para desagradá-Lo. Ele não tem mais raiva de nós por causa daquele pecado. Não nos disciplinará ou punirá pelo que fizemos. Somos reconciliados com Ele.

Da mesma forma, se realmente perdoo alguém, eu libero a pessoa em meu coração, superando o desejo de justiça ou vingança e mostro misericórdia. Não estou mais chateado com a pessoa que pecou contra mim. Estamos reconciliados. Se estiver nutrindo raiva ou ressentimento contra alguém, não o perdoei verdadeiramente.

Muitas vezes, os cristãos se enganam sobre isso. Dizem que perdoaram alguém, sabendo que é isso que devem fazer, mas ainda nutrem ressentimento contra o ofensor. Eles evitam o ofensor, pois isso traz a raiva suprimida de volta à superfície. Eu sei do que estou falando, pois já fiz isso. Não vamos nos enganar. Lembre-se de que Jesus não quer que tenhamos raiva de um companheiro cristão (veja Mt. 5:22).

Agora, deixe-me fazer uma pergunta: a quem é mais fácil perdoar, um ofensor que pede perdão ou um ofensor que não pede perdão? É claro que todos concordamos que é muito mais fácil perdoar alguém que admite seu erro e nos pede perdão. Aliás, parece bem mais fácil perdoar alguém que pede por perdão do que alguém que não pede. Parece impossível perdoar alguém que não pede perdão.

Vamos considerar isso por outro ângulo. Se, recusar-se a perdoar um ofensor que se arrepende e recusar-se a perdoar outro que não se arrepende forem ambos errados, qual é o maior pecado?Acho que, todos concordamos que se ambos estão errados, recusar-se a perdoar o ofensor que se arrepende é um mal maior.

Uma Surpresa das Escrituras (A Surprise from Scripture)

Tudo isso me leva a outra questão: Deus espera que perdoemos a todos os que pecam contra nós, mesmo aqueles que não se humilham, admitem seu pecado e pedem perdão?

Quando estudamos as Escrituras de perto, descobrimos que a resposta é “Não”. Para a surpresa de muitos cristãos, as Escrituras deixam claro que, mesmo que seja um mandamento amar a todos, incluindo nossos inimigos, não precisamos perdoar a todos.

Por exemplo, Jesus espera que simplesmente perdoemos um companheiro cristão que peca contra nós? Não, não espera. Caso contrário, não nos teria dito para seguirmos os quatro passos para a reconciliação listados em Mateus 18:15-17, passos que terminam com a exclusão do ofensor, se este não se arrepender:

Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de modo que “qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas”. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano.

Obviamente, se chegar ao quarto passo (exclusão), o perdão não é garantido ao ofensor, já que o perdão e a exclusão são ações incompatíveis. Pareceria estranho ouvir alguém dizer: “Nós o perdoamos quando o excomungamos”, pois o perdão resulta em reconciliação e não punição. (O que você pensaria se Deus dissesse: “Eu te perdoo, mas de agora em diante não tenho mais nada com você”?) Jesus nos instruiu a tratar o indivíduo excomungado como “pagão ou publicano”, dois tipos de pessoas com os quais o povo judeu não se relacionava, e na verdade detestava.

Nos quatro passos que Jesus listou, o perdão não está no primeiro, segundo ou terceiro passo, a menos que o ofensor se arrependa. Se ele não se arrepender depois dos três passos, ele é levado ao próximo, ainda tratado como um ofensor não-arrependido. Somente quando o ofensor “o ouvir” (isto é, se arrepender), é que pode ser dito que “você ganhou seu irmão” (isto é, que foram reconciliados).

O objetivo da confrontação é para que o perdão possa ser liberado. Contudo, o perdão depende do arrependimento do ofensor. Portanto, nós (1) o confrontaremos com a esperança de que o ofensor (2) se arrependa para que possamos (3) perdoá-lo.

Tudo isso sendo verdade, podemos dizer com toda firmeza que Deus não espera que simplesmente perdoemos companheiros cristãos que pecam contra nós e que não se arrependem depois da confrontação. É claro que isto não nos dá o direito de odiar um ofensor cristão. Pelo contrário, confrontamos porque amamos o ofensor e queremos perdoá-lo e nos reconciliar com ele.

Mesmo assim, depois de todo esforço para a reconciliação através dos três passos que Jesus listou, o quarto passo extermina o relacionamento, em obediência a Cristo.[1] Assim como não devemos ter comunhão com cristãos professos que são adúlteros, alcoólatras, homossexuais e assim por diante (veja 1 Co. 5:11), não devemos ter comunhão com cristãos professos que se recusam a se arrepender quando o corpo inteiro entra em consenso. Tais pessoas provam que não são verdadeiras seguidoras de Cristo e trazem reprovação a Sua igreja.

O Exemplo de Deus (God’s Example)

Quando consideramos nossa responsabilidade de perdoar outros, também podemos nos perguntar por que Deus esperaria que fizéssemos algo que Ele mesmo não faz. Com certeza, Deus ama pessoas culpadas e estende Suas mãos de misericórdia como oferta de perdão. Ele contém Sua ira e lhes dá tempo para que se arrependam. Mas isso vai depender de seu arrependimento. Deus não perdoa culpados, a menos que se arrependam. Então, por que pensaríamos que Ele espera mais de nós?

Tudo isso sendo verdade, não é possível que o pecado de não perdoar, que é tão sério aos olhos de Deus, seja especificamente o pecado de não perdoar os que pedem nosso perdão? É interessante que logo depois de Jesus ter dado os quatro passos de disciplina da igreja, Pedro perguntou:

“Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim?Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Eu lhe digo: Não até sete, mas até setenta vezes sete (Mt. 18:21-22).

Pedro achava que Jesus esperava que ele perdoasse um irmão não-arrependido centenas de vezes por centenas de pecados quando Ele lhe disse, momentos atrás para tratar um irmão não-arrependido como gentio ou publicano por causa de um pecado? Parece pouco provável. Novamente, se você perdoa uma pessoa, não a trata como detestável.

Outra questão que nos deve fazer pensar é esta: Se Jesus esperava que perdoássemos um cristão centenas de vezes por centenas de pecados dos quais ele nunca se arrepende, mantendo assim nosso relacionamento, por que nos permite terminar um casamento por causa de apenas um pecado cometido contra nós, o de adultério, se nosso cônjuge não se arrepender (veja Mt. 5:32)?[2] Isso pareceria bem inconsistente.

Uma Elaboração (An Elaboration)

Logo após Jesus ter dito a Pedro para perdoar um irmão quatrocentas e noventa vezes, Ele contou uma parábola para ajudar Pedro a entender o que Ele quis dizer:

Por isso, o Reino dos céus é como um rei que desejava acertar contas com seus servos. Quando começou o acerto, foi trazido à sua presença um que lhe devia uma enorme quantidade de prata. Como não tinha condições de pagar, o senhor ordenou que ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que ele possuía fossem vendidos para pagar a dívida. O servo prostrou-se diante dele e lhe implorou: “Tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo”. O senhor daquele servo teve compaixão dele, cancelou a dívida e o deixou ir. Mas quando aquele servo saiu, encontrou um de seus conservos, que lhe devia cem denários. Agarrou-o e começou a sufocá-lo, dizendo: “Pague-me o que deve!” Então o seu conservo caiu de joelhos e implorou-lhe: “Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei”. Mas ele não quis. Antes, saiu e mandou lançá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Quando os outros servos, companheiros dele, viram o que havia acontecido, ficaram muito tristes e foram contar ao seu senhor tudo o que havia acontecido. Então o senhor chamou o servo e disse: “Servo mau, cancelei toda a sua dívida porque você me implorou. Você não devia ter tido misericórdia do seu conservo como eu tive de você?” Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão (Mt. 18:23-35).

Note que o primeiro servo foi perdoado porque pediu ao seu mestre. Note também, que o segundo servo também pediu humildemente por perdão ao primeiro servo. O primeiro servo não deu ao segundo o que tinha recebido, e foi isso que irou seu mestre. Portanto, Pedro pensaria que Jesus esperava que ele perdoasse um irmão não-arrependido que nunca pediu por perdão, algo que não foi ilustrado na parábola de Jesus?Parece pouco provável, ainda mais quando Jesus tinha acabado de lhe dizer para tratar um irmão não-arrependido, depois de ser propriamente confrontado, como gentio e publicano.

Parece ainda mais improvável que Pedro pensasse que era esperado que perdoasse um irmão não-arrependido em vista do castigo que Jesus nos prometeu se não perdoarmos nossos irmãos de coração. Jesus prometeu restituir todos os nossos pecados previamente perdoados e nos entregar aos torturadores até que paguemos o que nunca poderemos pagar. Isto seria um castigo justo a um crente que não perdoa um irmão, um irmão a quem Deus também não perdoa?Se um irmão peca contra mim, ele peca contra Deus, e Deus não o perdoa a menos que se arrependa. Deus pode nos castigar justamente por não perdoar alguém a quem também não perdoa?

Uma Sinopse (A Synopsis)

As expectativas de Jesus de perdoarmos nossos companheiros cristãos estão sucintamente estabelecidas em Suas palavras registradas em Lucas 17:3-4:

Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: “Estou arrependido”, perdoe-lhe (ênfase adicionada).

Dá para ficar mais claro?Jesus espera que perdoemos companheiros cristãos quando se arrependem. Quando oramos: “Perdoe nossas dívidas assim como perdoamos os nossos devedores”, estamos pedindo a Deus para fazer conosco o que fazemos aos outros. Não podemos esperar que Ele nos perdoe se não pedirmos. Então, por que pensaríamos que Ele espera que perdoemos os que não pedem?

Novamente, isso não nos dá o direito de nutrir ressentimentos contra um irmão ou irmã em Cristo que pecou contra nós. Devemos amar uns aos outros. É por isso que fomos mandados confrontar um companheiro cristão que peca contra nós, para que possa haver reconciliação com ele e que ele possa se reconciliar com Deus, contra quem também pecou. É isso que o amor faria. Mesmo assim, muitas vezes, cristãos dizem que perdoam um ofensor cristão, mas é só uma desculpa para evitar a confrontação. Na verdade, eles não perdoam e isso fica claro por suas ações. Evitam o ofensor a qualquer custo e falam de suas feridas. Não há reconciliação.

Quando pecamos, Deus nos confronta com Seu Espírito Santo em nós porque nos ama e quer nos perdoar. Devemos imitá-lo, confrontando com amor companheiros cristãos que pecam contra nós para que haja arrependimento, perdão e reconciliação.

Deus sempre esperou que Seu povo amasse um ao outro com amor genuíno, um amor que permite a repreensão, mas que não permite ressentimentos. Dentro da Lei de Moisés está o mandamento:

Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes repreendam com franqueza o seu próximo para que, por causa dele, não sofram as conseqüências de um pecado. Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor (Lv. 19:17-18, ênfase adicionada).

Uma Objeção (An Objection)

Mas e as palavras de Jesus em Marcos 11:25-26?Elas não inidicam que devemos perdoar a todos por tudo sem levar em conta se pedem ou não perdão?

E quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os seu pecados. Mas se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não perdoará os seus pecados.

Esse versículo não invalida todos os versículos que já consideramos no assunto. Já sabemos que algo grave para Deus é nossa recusa em perdoar quando alguém nos pede perdão. Portanto, podemos interpretar esse versículo sob a luz desse fato bem estabelecido. Jesus só está enfatizando aqui que devemos perdoar se quisermos o perdão de Deus. Ele não está nos ditando detalhes específicos sobre o perdão e o que alguém deve fazer para recebê-lo de outrem.

Note que Jesus também não diz aqui que devemos pedir a Deus por perdão para recebê-lo. Devemos, então, ignorar tudo o que as Escrituras ensinam sobre o perdão de Deus ser baseado em pedirmos por ele (veja Mt. 6:12; 1 Jo. 1:9)? Devemos assumir que não precisamos pedir perdão a Deus quando pecamos porque Jesus não menciona isso logo acima? Isto não seria sábio considerando o que lemos nas Escrituras. É igualmente tolice ignorar tudo o que elas nos ensinam sobre o perdão ser liberado quando pedido.

Outra Objeção (Another Objection)

Jesus não orou pelos soldados que estavam dividindo Suas vestes: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lc. 23:34)? Isso não indica que Deus perdoa as pessoas mesmo sem que elas peçam?

Sim, mas só até certo ponto. Isso indica que Deus mostra misericórdia aos ignorantes, uma medida de perdão. Por Deus ser perfeitamente justo, Ele só culpa as pessoas quando elas sabem que estão pecando.

A oração de Jesus pelos soldados não lhes garantiu um lugar no céu — só assegurou que não seriam considerados responsáveis por dividir as vestes do Filho de Deus, e somente por causa de sua ignorância sobre quem Ele era. Eles o consideraram somente mais um criminoso a ser executado. Portanto, Deus estendeu Sua misericórdia a um ato que merecia julgamento, caso soubessem o que realmente estavam fazendo.

Mas Jesus orou para que Deus perdoasse a todos os que eram de alguma forma responsáveis por Seu sofrimento? Não, não orou. A respeito de Judas, por exemplo, Ele disse que seria melhor que ele nunca tivesse nascido (veja Mt. 26:24). Com certeza, Jesus não orou para que Seu Pai perdoasse Judas. Na verdade foi o oposto — se considerarmos Salmos 69 e 109 como orações proféticas de Jesus, como Pedro considerou (veja At. 1:15-20). Jesus orou para que o julgamento caísse sobre Judas, alguém que não era um transgressor ignorante.

Como pessoas que estão lutando para imitar a Cristo, devemos mostrar misericórdia àqueles que são ignorantes pelo que fazem a nós, como no caso de incrédulos (como os soldados ignorantes que dividiram as vestes de Jesus). Jesus espera que mostremos aos ímpios misericórdia extraordinária, amando nossos inimigos, fazendo o bem para aqueles que nos odeiam, abençoando os que nos amaldiçoam e orando pelos que nos tratam mal (veja Lc. 6:27-28). Devemos tentar derreter o ódio deles com nosso amor, pagando o mal com o bem. Esse preceito foi prescrito até mesmo debaixo da Lei Mosaica:

Se você encontrar perdido o boi ou o jumento que pertence ao seu inimigo, leve-o de volta a ele. Se você vir o jumento de alguém que o odeia caído sob o peso de sua carga, não o abandone, procure ajudá-lo (Ex. 23:4-5).

Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele, e o Senhor recompensará você (Pv. 25:21-22).

É interessante que mesmo que Jesus nos tenha mandado amar nossos inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam, abençoar os que nos amaldiçoam e orar pelos que nos maltratam (veja Lc. 6:27-28), Ele nunca nos mandou perdoá-los. Podemos amar as pessoas sem perdoá-las — assim como Deus as ama sem perdoá-las. Não só podemos como devemos amá-las, já que fomos ordenados por Deus para assim fazê-lo. E nosso amor por elas deve ser manifestado através de nossas ações.

O fato de Jesus ter orado para que Seu Pai perdoasse os soldados que estavam dividindo Suas vestes não prova que Deus espera que ignoremos tudo o que estudamos sobre esse assunto nas Escrituras e perdoemos a todos os que pecam contra nós. Só nos ensina que devemos perdoar automaticamente aqueles que são ignorantes de seu pecado contra nós e mostrar misericórdia extraordinária aos incrédulos.

E José? (What About Joseph?)

José, que graciosamente perdoou seus irmãos que o venderam à escravidão, é às vezes usado como exemplo de como devemos perdoar a qualquer um que peque contra nós, sem importar se o perdão foi pedido ou não. Mas é isso que a história de José nos ensina?

Não, não é.

José pôs seus irmãos a prova por pelo menos um ano de sucessivas provas e testes para levá-los ao arrependimento. Ele até aprisionou um deles por vários meses no Egito (veja Gn. 42:24). Quando finalmente, todos os seus irmãos foram capazes de confessar sua culpa (veja Gn. 42:21; 44:16), e um deles se ofereceu como resgate pelo atual filho favorito de seu pai (veja G. 44:33), José soube que eles não eram mais os mesmos homens invejosos e egoístas que o haviam vendido à escravidão. Somente depois José revelou sua identidade e falou palavras graciosas aos que haviam pecado contra ele. Se José os tivesse “perdoado” imediatamente, eles nunca teriam se arrependido. E esse é um dos erros da mensagem de “perdão instantâneo a todos” que é ensinada hoje. Perdoar nossos irmãos que pecam contra nós sem confrontá-los resulta em duas coisas: (1) Um falso perdão que não traz reconciliação e (2) ofensores que não se arrependem e, portanto, não crescem espiritualmente.

A Prática de Mateus 18:15-17 (The Practice of Matthew 18:15-17)

Mesmo que os quatro passos de reconciliação listados por Jesus sejam bem simples de entender, eles podem se tornar complicados para se praticar. Quando Jesus listou os quatro passos, Ele o fez da perspectiva de quando o irmão A está convencido (e corretamente) de que o irmão B pecou contra ele. Contudo, o irmão A pode estar errado. Então, vamos imaginar uma situação em que todos os cenários possíveis sejam considerados.

Se o irmão A está convencido de que o irmão B pecou contra ele, o irmão A deve ter certeza de que não está sendo crítico demais, encontrando um cisco no olho do irmão B. Deveria se fazer vista grossa e estender misericórdia a muitas ofensas pequenas. (veja Mt. 7:3-5). Se, contudo, o irmão A se encontra com ressentimentos contra o irmão B por uma ofensa significante, ele deve confrontá-lo.

Ele deve fazê-lo em secreto, obedecendo ao mandamento de Jesus, mostrando seu amor para com o irmão B. Seu motivo deve ser o amor e seu objetivo, a reconciliação. Ele não deve contar a mais ninguém sobre a ofensa. “O amor perdoa muitíssimos pecados” (1 Pd. 4:8). Se amamos alguém, não exporemos seus pecados; iremos escondê-los.

Sua confrontação deve ser gentil, mostrando seu amor. Ele deve dizer algo como: “Irmão B, eu valorizo muito nossa amizade, mas algo aconteceu que criou um muro entre nós. Não quero que este muro continue; portanto, devo explicar-lhe a situação para que possamos nos reconciliar. E se eu tiver feito algo que contribuiu para esse problema, quero que me diga”. Então, ele deve dizer gentilmente ao irmão B qual foi a ofensa.

Na maioria dos casos, o irmão B não terá percebido que ofendeu o irmão A, e assim que souber pedirá perdão. Se isso acontecer, o irmão A deve perdoá-lo imediatamente. A reconciliação aconteceu.

Outro cenário possível é que o irmão B tentará justificar seu pecado contra o irmão A dizendo que estava somente reagindo a uma ofensa cometida pelo irmão A contra ele. Se esse for o caso, o irmão B deveria ter confrontado o irmão A. Mas agora, pelo menos há diálogo e esperança de reconciliação.

Em tal caso, as partes ofendidas devem discutir o que aconteceu, admitir sua culpa e oferecer e receber perdão. A reconciliação foi cumprida.

Um terceiro cenário é quando A e B não são capazes de se reconciliar. Portanto, precisam de ajuda e é hora de partirem para o segundo passo.

Segundo Passo (Step Two)

Seria melhor se os irmãos A e B concordassem sobre quem deve se juntar a eles para ajudar a chegarem à reconciliação. O ideal seria que os irmão C e D conhecessem e amassem ambos, A e B, para assegurar a imparcialidade. E somente os irmão C e D devem saber sobre o problema, por amor e respeito a A e B.

Se o irmão B não cooperar nesse ponto, o irmão A deve encontrar um ou dois outros que possam ajudar.

Se os irmãos C e D forem sábios, não darão seu pronunciamento até que tenham ouvido ambos os lados. Uma vez que C e D se pronunciarem, A e B devem se submeter à decisão deles, pedir perdão e fazer as reconciliações que forem recomendadas a um ou ambos.

Os irmãos C e D não devem forçar ser imparciais para correr menos riscos pessoais, recomendando que os irmãos A e B se arrependam quando, na verdade, somente um precisa. Eles devem ter em mente que se o irmão A ou B rejeitar seu julgamento, a situação será levada à igreja e seu julgamento covarde se tornará evidente a todos. Essa tentação que C e D têm de tentar manter a amizade com A e B comprometendo a verdade é uma boa razão do porquê dois juízes é melhore do que um, já que podem fortalecer a verdade. Além do mais, a decisão deles vai ter mais peso para A e B.

Terceiro Passo (Step Three)

Se A ou B recusar o julgamento de C e D, o problema deve ser levado a toda a igreja. Esse terceiro passo nunca é tomado em igrejas institucionais — e por um bom motivo — pois resultaria em divisões quando as pessoas escolhessem um dos lados. Jesus nunca quis que igrejas locais abarcassem mais pessoas do que poderiam caber em uma casa. É nessa família congregacional menor, onde todos conhecem e se importam com A e B, que está o ambiente bíblico para o terceiro passo. Em uma igreja institucional, o terceiro passo deve ser feito no contexto de um pequeno grupo que consiste de pessoas que conhecem e amam A e B. Se eles forem membros de corpos locais diferentes, vários dos melhores membros de ambos os corpos poderiam servir como corpo de decisão.

Uma vez que a igreja der sua decisão, os irmãos A e B devem se submeter a ela, conhecendo as consequências da desobediência. Pedidos de perdão devem ser feitos, o perdão entregue e a reconciliação deve ocorrer.

Se A ou B se recusar a pedir perdão, ele deve ser excluído da igreja e ninguém da igreja deve ter comunhão com ele. Na maioria das vezes, a pessoa não-arrependida já terá se retirado voluntariamente e provavelmente já teria feito isso muito antes se não obtivesse o que queria em algum dos passos do processo. Isso revela sua falta de compromisso genuíno de amar sua família espiritual.

Um Problema Comum (A Common Problem)

Em igrejas institucionais, as pessoas normalmente resolvem as disputas deixando uma igreja e indo para outra, onde os pastores, que querem construir seus reinos a qualquer custo e não se relacionam com outros pastores, recebem essas pessoas e ficam do seu lado quando lhes contam o seu lado. Esse padrão neutraliza o mandamento dos quatro passos de Cristo para a reconciliação. E normalmente, é uma questão de meses ou anos para que a pessoa ofendida, a quem o pastor recebeu na igreja, saia e procure outra igreja, por estar mais uma vez ofendida.

Jesus esperava que igrejas fossem pequenas o suficiente para caberem em casas e que pastores/presbíteros/bispos locais trabalhassem juntos em um só corpo. Portanto, a exclusão do membro de uma igreja seria uma exclusão de todas as igrejas. É da responsabilidade de cada pastor/presbítero/bispo perguntar aos cristãos que estão se aproximando, sobre sua antiga igreja e contatar a liderança dessa igreja para determinar se tais pessoas devem ser recebidas.

A Intenção de Deus Para uma Igreja Santa (God’s Intention for a Holy Church)

Outro problema comum em igrejas institucionais é que muitas vezes consistem de pessoas que comparecem simplesmente pelo show, que não dão conta de suas vidas a alguém porque seus relacionamentos são puramente sociais. Portanto, ninguém, especialmente os pastores, tem ideia de como estão suas vidas, e as pessoas não-santas continuam a manchar as igrejas às quais comparecem. Então, os de fora julgam as pessoas que se dizem cristãs como não sendo diferentes de não-crentes.

Isso por si só deve ser prova suficiente para qualquer um de que a estrutura de igrejas institucionais não era a intenção de Deus para Sua santa Igreja. Pessoas não-santas e hipócritas sempre se escondem em grandes igrejas institucionais, trazendo descrédito a Cristo. Como lemos em Mateus 18:15-17, Jesus deixou claro que queria que Sua Igreja fosse composta de pessoas santas que fossem membros comprometidos de um corpo que se mantém puro. O mundo olharia para a igreja e veria sua santa noiva. Contudo, hoje ele vê uma grande meretriz, alguém infiel ao seu Esposo.

Esse aspecto divinamente planejado da igreja se manter pura ficou evidente quando Paulo escreveu a respeito de uma situação crítica na igreja de Corinto. Um membro aceito do corpo estava mantendo uma relação adúltera com sua madrasta:

Por toda parte se ouve que há imoralidade entre vocês, imoralidade que não ocorre nem entre os pagãos, ao ponto de um de vocês possuir a mulher de seu pai. E vocês estão orgulhosos! Não deviam, porém, estar cheios de tristeza e expulsar da comunhão aquele que fez isso? Apesar de eu não estar presente fisicamente, estou com vocês em espírito. E já condenei aquele que fez isso, como se estivesse presente. Quando vocês estiverem reunidos em nome de nosso Senhor Jesus, estando eu com vocês em espírito, estando presente também o poder de nosso Senhor Jesus Cristo, entreguem esse homem a Satanás, para que o corpo seja destruído, e seu espírito seja salvo no dia do Senhor… Já lhes disse por carta que vocês não devem associar-se com pessoas imorais. Com isso não me refiro aos imorais deste mundo, nem aos avarentos, aos ladrões ou aos idólatras. Se assim fosse, vocês precisariam sair deste mundo. Mas agora estou lhes escrevendo que não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês nem devem comer. Pois, como haveria eu de julgar os de fora da igreja? Não devem vocês julgar os que estão dentro? Deus julgará os de fora “Expulsem esse perverso do meio de vocês.” (1 Co. 5:1-5, 9-13).

Não havia necessidade de levar esse homem pelos passos de reconciliação porque era óbvio que ele não era um verdadeiro cristão. Paulo se referiu a ele como alguém que se diz irmão e o chamou de “perverso”. Além do mais, alguns versículos mais adiante, Paulo escreveu:

Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus (1 Co. 6:9-10).

Está claro que Paulo acreditava, corretamente, que aqueles que são imorais, como o homem da igreja de Corinto, mostram a falsidade de sua fé. Alguém assim não deve ser tratado como irmão e levado pelos passos da reconciliação. Deve ser excluído, entregue a Satanás, para que a igreja não fortaleça seu próprio engano, e para que tenha esperança de ver que precisa de arrependimento para que “seja salvo no dia do Senhor” (1 Co. 5:5).

Em grandes igrejas ao redor do mundo hoje, há centenas de pessoas posando como cristãos, que, por padrão bíblico, são não-crentes e que devem ser excluídos. As Escrituras deixam claro que a igreja tem a responsabilidade de afastar os que não se arrependerem e que forem fornicadores, adúlteros, homossexuais, alcoólatras e assim por diante. Mesmo assim, tais pessoas, debaixo da desculpa da “graça” estão, hoje, muitas vezes em grupos de autoajuda da igreja, onde podem ser encorajadas por outros “crentes” com problemas parecidos. Isso é uma afronta ao poder de transformar vidas do evangelho de Jesus Cristo.

Líderes Caídos (Fallen Leaders)

Um líder arrependido deve ser imediatamente restaurado a sua posição se tiver caído em um sério pecado (como o adultério)?Mesmo que o Senhor perdoe o líder arrependido imediatamente (assim como a igreja deve), o líder caído terá perdido a confiança daqueles a quem ministra. A confiança é algo que deve ser merecida. Portanto, líderes caídos devem se retirar voluntariamente de suas posições de liderança e se submeter à vigilância espiritual até que possam provar sua fidelidade. Eles devem começar do início. Os que não estiverem dispostos a servir humildemente de maneiras menores para reconquistar confiança, não devem ser tratados como líderes pelas pessoas do corpo.

Resumindo (In Summary)

Como ministros discipuladores que são chamados para repreender, corrigir e exortar com toda a paciência e doutrina (veja 2 Tm. 4:2), não nos escondamos de nosso chamado. Ensinemos nossos discípulos a amar realmente uns aos outros por meio de tolerância misericordiosa sempre, confrontação gentil (quando necessário), mais confrontação com a ajuda de outros (quando preciso) e perdão (quando pedido). Isso é muito melhor que o falso perdão que não trás cura verdadeira a relações desfeitas. Vamos lutar para obedecer ao Senhor em todos os aspectos para mantermos Sua igreja pura e santa, um louvor ao Seu nome!

Para maiores estudos a respeito de confrontação e disciplina da igreja, veja Romanos 16:17-18; 2 Coríntios 13:1-3; Gálatas 2:11-14; 2 Tessalonissenses 3:6, 14-15; 1 Timóteo 1:19-20, 5:19-20; Tito 3:10-11; Tiago 5:19-20; 2 João 10-11.

 


[1] Parece lógico que se o excluído se arrependesse mais tarde, Jesus esperaria que o perdão fosse dado a ele.

[2] Se um cônjuge adúltero é cristão, devemos passar pelos três passos que Jesus listou para a reconciliação antes de continuar com o divórcio. Se o cônjuge adúltero se arrepende, é esperado que perdoemos de acordo com o mandamento de Jesus.