Mordomia

Capítulo Trinta e Dois (Chapter Thirty-Two)

 

No capítulo sobre o Sermão do Monte, consideramos algumas palavras que Jesus falou a Seus discípulos a respeito de mordomia. Ele lhes disse para não acumular tesouros na terra, mas no céu. Mostrou a tolice daqueles que investem em tesouros temporais e também as trevas que há em seus corações (veja Mt. 6:19-24).

O dinheiro é o verdadeiro deus dos que acumulam tesouros na terra, pois lhe servem e ele reina sobre suas vidas. Jesus declarou que é impossível servir a Deus e ao dinheiro, indicando claramente que se Deus é nosso verdadeiro Mestre, também é Mestre de nosso dinheiro. O dinheiro, mais que qualquer outra coisa, compete com Deus pelo coração das pessoas. Sem dúvida, é por isso que Jesus ensinou que não podemos ser Seus discípulos, a menos que abramos mão de todas as nossas posses (veja Lc. 14:33). Os discípulos de Cristo nada têm; são simplesmente mordomos do que é de Deus, e Ele gosta de fazer coisas com Seu dinheiro que reflitam Seu caráter e Seu reino.

Jesus tinha muito a dizer a respeito de mordomia, mas parece que, muitas vezes, Suas palavras são ignoradas por aqueles que dizem ser Seus seguidores. Ainda mais popular é o torcer das Escrituras para fabricar a moderna “doutrina da prosperidade” em suas muitas formas, delicada e primitiva. Contudo, o ministro discipulador, deseja ensinar as pessoas a obedecerem a todos os mandamentos de Cristo. Portanto, ele ensinará através de seu exemplo e de suas palavras, a mordomia bíblica.

Vamos considerar o que as Escrituras ensinam sobre a mordomia, e ao mesmo tempo, expor alguns dos exemplos mais comuns de falsos ensinamentos sobre a prosperidade. De forma alguma, esse será um estudo exaustivo. Escrevi um livro inteiro sobre esse assunto que está disponível à leitura em inglês em nosso site (SheperdServe.org). Ele pode ser encontrado abaixo do título “Biblical Topics” e do subtítulo “Jesus on Money”.

O Supridor das Necessidades (The Supplier of Needs)

Começando com algo positivo, lembramos que Paulo, sob a inspiração do Espírito Santo, escreveu: “O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus” (Fp. 4:19). Essa promessa familiar é muitas vezes citada e exigida por pessoas que se dizem cristãs; mas qual é o contexto? Quando lemos dentro do contexto, logo descobrimos a razão de Paulo ter sido tão confiante que Deus supriria todas as necessidades dos crentes de Filipo:

Apesar disso, vocês fizeram bem em participar de minhas tribulações. Como vocês sabem, filipenses, nos seus primeiros dias no evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja partilhou comigo no que se refere a dar e receber, exceto vocês; pois, estando eu em Tessalônica, vocês me mandaram ajuda, não apenas uma vez, mas duas, quando tive necessidade. Não que eu esteja procurando ofertas, mas o que pode ser creditado na conta de vocês. Recebi tudo, e o que tenho é mais que suficiente. Estou amplamente suprido, agora que recebi de Epafrodito os donativos que vocês enviaram. São uma oferta de aroma suave, um sacrifício aceitável e agradável a Deus. O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus (Fp. 4:14-19, ênfase adicionada).

Paulo tinha certeza que Jesus realmente supriria as necessidades dos filipenses porque tinham preenchido a condição de Jesus: Estavam buscando em primeiro lugar o Reino de Deus, o que foi provado pelas ofertas sacrificiais a Paulo para que pudesse continuar plantando igrejas. Lembre-se que no Sermão do Monte, Jesus disse:

O Pai celestial sabe que vocês precisam delas [“dessas coisas”]. Busquem em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas (Mt. 6:32-33).

Portanto, vemos que a promessa de Paulo em Filipenses 4:19 não se aplica a todos os cristãos que a citam e a exigem. Ao invés disso, só se aplica àqueles que estão buscando em primeiro lugar o Reino de Deus.

Do que Realmente Precisamos? (What Do We Really Need?)

Há algo mais que podemos aprender da promessa de Jesus em Mateus 6:32-33. Às vezes temos dificuldade em distinguir nossas necessidades de nossas vontades. Contudo, Jesus definiu quais são nossas necessidades. Ele disse: “O Pai celestial sabe que vocês precisam delas [“dessas coisas”]”.

Quais são essas “coisas” das quais Jesus se referiu que seriam acrescentadas àqueles que buscam primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça? São comida, bebida e roupas. Ninguém pode discutir sobre isso, pois foi isso que Jesus disse antes de fazer a promessa sob consideração (veja Mt. 6:25-31). Comida, bebida e roupas são nossas únicas necessidades materiais. Na verdade, essas são as únicas coisas que Jesus e Seus discípulos viajantes possuíam.

É evidente que Paulo concordava com a definição de Jesus sobre nossas necessidades, já que escreveu a Timóteo:

De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos (1 Tm. 6:6-10, ênfase adicionada).

Paulo acreditava que as únicas coisas materiais que realmente precisamos são comida e roupas, caso contrário não teria dito que deveríamos ficar satisfeitos com essas coisas somente. Isso nos leva a uma perspectiva um pouco diferente a respeito de Sua promessa aos filipenses de que Deus supriria suas necessidades! Pela forma como alguns pregadores explicam esse versículo, daria para pensar que ele diz: “O meu Deus suprirá todas as cobiças de vocês”! Além do mais, se devemos nos alegrar somente com comida e roupas, não devemos nos alegrar muito mais com o que realmente temos, o que para a maioria de nós é muito mais que somente comida e roupas?

Descontentamento (Discontentment)

Nosso problema é que pensamos que necessitamos de muito mais do que aquilo que realmente precisamos. Considere o fato de que quando Deus criou Adão e Eva eles não possuíam nada, e mesmo assim moravam no paraíso. Obviamente, Deus não planejou que obtivéssemos felicidade por causa das coisas materiais que juntamos. Você já pensou que Jesus nunca abriu uma torneira ou ficou embaixo de um chuveiro em um banheiro? Ele nunca lavou Suas roupas em uma máquina de lavar; nunca abriu a porta de uma geladeira. Ele nunca dirigiu um carro ou mesmo andou de bicicleta. Nenhuma vez ouviu rádio, falou com alguém pelo telefone, usou um fogão ou pregou por meio de um sistema de autofalante. Ele nunca assistiu a um filme ou a um programa de televisão, nunca acendeu uma lâmpada ou se refrescou na frente de um ar-condicionado ou ventilador. Ele nunca teve um relógio de pulso. Nunca teve um armário cheio de roupas. Como pôde ser feliz?

Nos Estados Unidos (e talvez em seu país também), somos bombardeados com propagandas que nos mostram pessoas felizes enquanto usam seus novos bens materiais. Consequentemente, recebemos uma lavagem cerebral para pensarmos que conseguiremos felicidade se comprarmos mais; mas independente do quanto acumulamos, nunca ficamos felizes. Foi a isso que Jesus se referiu como “o engano das riquezas” (Mt. 13:22). Coisas materiais prometem felicidade, mas raramente cumprem a promessa. E quando nos juntamos à corrida maluca do mundo para adquirir mais bens materiais, na verdade nos tornamos mais idólatras, escravos de Mamom, que se esquecem de Deus e de Seus mandamentos mais importantes que são amar a Ele de todo o coração e ao próximo como a si mesmo. Deus exortou Israel a respeito disso:

Tenham o cuidado de não se esquecer do Senhor, o seu Deus, deixando de obedecer aos seus mandamentos, às suas ordenanças e aos seus decretos que hoje lhes ordeno. Não aconteça que, depois de terem comido até ficarem satisfeitos, de terem construído boas casas e nelas morado, de aumentarem os seus rebanhos, a sua prata e o seu ouro, e todos os seus bens, o seu coração fique orgulhoso e vocês se esqueçam do Senhor, o seu Deus, que os tirou do Egito, da terra da escravidão (Dt. 8:11-14).

Da mesma forma, Jesus advertiu que “o engano das riquezas” tem o potencial de sufocar a vida espiritual de um verdadeiro crente que se permite ser distraído (veja Mt. 13:7, 22). Paulo avisou que “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” e disse que “Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos” (1 Tm. 6:10). Somos exortados pelo autor do livro de Hebreus: “Conservem-se livres do amor ao dinheiro e contentem-se com o que vocês têm, porque Deus mesmo disse: ‘Nunca o deixarei, nunca o abandonarei’” (Hb. 13:5). Esses são somente exemplos das exortações das Escrituras a respeito do perigo das riquezas.

Quando o Dinheiro é o Senhor (When Money is Master)

Talvez não haja melhor medidor do nosso relacionamento com Deus que nossa relação com o dinheiro. Ele — o tempo e os meios que usamos para adquiri-lo e o que fazemos com ele — revela muito sobre nossas vidas espirituais. Dinheiro, quando o temos ou não, é o maior combustível para tentações. Ele pode facilmente entrar em choque com os dois maiores mandamentos, já que pode se tornar um deus acima do único Deus, e pode nos tentar a amarmos mais a nós e menos ao nosso próximo. Por outro lado, o dinheiro pode ser usado como um meio de provarmos nosso amor a Deus e ao nosso próximo.

Uma vez Jesus contou uma parábola sobre um homem que permitiu que o dinheiro, e não Deus, reinasse sobre ele:

A terra de certo homem rico produziu muito. Ele pensou consigo mesmo: “O que vou fazer? Não tenho onde armazenar minha colheita”. Então disse: “Já sei o que vou fazer. Vou derrubar os meus celeiros e construir outros maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens. E direi a mim mesmo: ‘Você tem grande quantidade de bens, armazenados para muitos anos. Descanse, coma, beba e alegre-se’”. Contudo, Deus lhe disse: “Insensato! Esta mesma noite a sua vida lhe será exigida. Então, quem ficará com o que você preparou?” Assim acontece com quem guarda para si riquezas, mas não é rico para com Deus. (Lc. 12:16-21).

Jesus retrata esse homem rico como um tolo. Mesmo sendo abençoado com riquezas, terra produtiva e habilidades com agricultura, ele não conhecia a Deus, caso contrário não teria pensado em guardar os excessos e se aposentar, tendo uma vida de sossego e prazer egoísta. Ao invés disso, teria buscado o Senhor a respeito do que deveria fazer com sua bênção, sabendo que era somente mordomo de Deus. Deus, é claro, iria querer que dividisse sua colheita e continuasse trabalhando para que pudesse continuar a compartilhar. Talvez, a outra (e única) alternativa aceitável seria parar de cultivar a terra e dedicar o resto de sua vida a um ministério que ele mesmo sustentasse, se fosse esse o chamado de Deus para ele.

O agricultor rico da parábola de Jesus fez um grande erro ao calcular o dia de sua morte. Ele assumiu que tinha muitos anos pela frente, enquanto estava a somente algumas horas da eternidade. O ponto que Jesus quer destacar é inconfundível: Devemos viver cada dia como se fosse o último, sempre prontos para ficarmos diante de Deus e prestar contas.

Duas Perspectivas (Two Perspectives)

A perspectiva de Deus é tão diferente da do homem! O homem rico da parábola de Jesus seria invejado por quase todos que o conheciam; ainda assim, Deus tinha pena dele. Ele era rico aos olhos dos homens, mas pobre aos olhos de Deus. Ele poderia ter acumulado tesouros no céu, onde seriam sempre dele, mas escolheu acumulá-los na terra onde não tinham o menor valor para ele a partir do momento em que morreu. À luz do que Jesus ensinou sobre pessoas avarentas, não parece provável que Jesus quisesse que pensássemos que o homem rico foi para o céu quando morreu.

Essa parábola deve nos ajudar a lembrar que tudo o que temos é um presente de Deus e Ele espera que sejamos mordomos fiéis. Ela tem aplicação não somente para os que têm riquezas materiais, mas para qualquer um que for tentado a dar muita importância às coisas materiais. Jesus deixou isso bem claro quando continuou falando a Seus discípulos.

Portanto [isso significa que o que Ele diria em seguida era baseado no que tinha acabado de falar] eu lhes digo: Não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. A vida é mais importante do que a comida, e o corpo, mais do que as roupas. Observem os corvos: não semeiam nem colhem, não têm armazéns nem celeiros; contudo, Deus os alimenta. E vocês têm muito mais valor do que as aves! Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? Visto que vocês não podem sequer fazer uma coisa tão pequena, por que se preocupar com o restante? Observem como crescem os lírios. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, quanto mais vestirá vocês, homens de pequena fé! Não busquem ansiosamente o que comer ou beber; não se preocupem com isso. Pois o mundo pagão é que corre atrás dessas coisas; mas o Pai sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, o Reino de Deus, e essas coisas lhes serão acrescentadas. Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino.

Vendam o que têm e dêem esmolas. Façam para vocês bolsas que não se gastem com o tempo, um tesouro nos céus que não se acabe, onde ladrão algum chega perto e nenhuma traça destrói. Pois onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração (Lc. 12:22-34).

As palavras de Jesus vão contra as dos modernos “pregadores da prosperidade”! Hoje nos dizem que Deus quer que tenhamos mais, enquanto Jesus mandou Seus discípulos venderem o que tinham e dar aos pobres! Ele novamente expôs a tolice dos que acumulam tesouros na terra — onde esses tesouros são destinados a perecer e onde estão os corações dos que possuem esses tesouros.

Note que Jesus aplicou a lição do tolo rico a pessoas que tinham tão pouco que eram tentadas a se preocupar com comida e roupas. A preocupação com tais coisas mostra que nosso foco está errado. Se confiarmos em nosso Pai provedor como devemos, não vamos nos preocupar, e essa atitude despreocupada nos libera para focarmos em construir o Reino de Deus.

O Exemplo de Cristo (Christ’s Example)

Jesus tinha muitas outras coisas para dizer a respeito de dinheiro. Contudo, ele ensinou, assim como todos os ministros discipuladores devem, através do exemplo. Ele pregava o que praticava. Como Jesus viveu?

Jesus não acumulou tesouros terrenos, mesmo que pudesse ter facilmente explorado Sua situação e se tornado extremamente rico. Muitos ministros abençoados assumem erroneamente que, se seus ministérios estão atraindo dinheiro, é porque Deus quer que eles sejam ricos. Contudo, Jesus não usou Sua unção para o ganho pessoal.

O dinheiro que Lhe foi dado foi usado para fazer discípulos. E até mesmo supria as necessidades dos que viajavam com Ele e daqueles que discipulava.[1] Em nossos dias, na maioria das vezes, jovens discípulos precisam pagar o transporte para serem ensinados pelos ministros mais velhos em escolas bíblicas. Mas Jesus deixou como exemplo o oposto!

Jesus também levou uma vida de confiança, crendo que Seu Pai supriria todas as Suas necessidades e o abençoaria para que pudesse suprir as necessidades de outros. Algumas vezes O convidavam para jantar em banquetes, e outras vezes O encontramos comendo grãos crus em um campo (veja Lc. 6:1).

Em pelo menos duas ocasiões Ele providenciou comida para milhares de pessoas que foram ouvi-Lo. Isso é tão diferente das conferências cristãs modernas onde todos os que querem ouvir o palestrante precisam pagar uma taxa! Às vezes, até riem de nós que damos comida aos que comparecem às nossas conferências ministeriais, pois dizem que estamos “pagando as pessoas para que nos ouçam”. Na verdade, estamos seguindo o modelo do Mestre.

Jesus também cuidava dos pobres, já que Seu grupo tinha uma bolsa de dinheiro da qual retiravam para dar esmolas. Dar aos pobres era algo tão regular no ministério de Jesus que quando Ele mandou Judas fazer rápido o que tinha que fazer, todos os outros discípulos assumiram enquanto ele saída da última ceia, que estava indo comprar comida para o grupo ou dar dinheiro aos pobres (veja Jo. 13:27-30).

Jesus realmente amava Seu próximo como a Si mesmo, portanto, vivia simplesmente e compartilhava; Ele não precisou se arrepender. A pregação de João Batista dizia: “Quem tem duas túnicas dê uma a quem não tem nenhuma” (Lc. 3:11). Jesus só tinha uma túnica.

Mas alguns pregadores da prosperidade tentam nos convencer de que Jesus era rico porque usava uma túnica sem costura (veja Jo. 19:23), algo supostamente usado somente por pessoas ricas. É incrível os significados que podem ser encontrados em um texto bíblico se alguém quer provar algo que contradiz muitas outras passagens! Podemos também chegar à conclusão igualmente absurda de que Jesus estava tentando esconder Sua riqueza, já que não usava uma capa sem costura.

Jesus tinha tantas coisas mais para falar sobre dinheiro que não temos espaço para considerá-las. Contudo, vamos dar uma olhada em mais alguns ensinamentos de pregadores modernos da prosperidade que são tão adeptos de torcer as Escrituras e enganar os mais fracos.

Deus Fez Salomão Rico (“God Made Solomon Rich”)

Essa é a justificação que muitos pregadores da prosperidade usam para disfarçar sua avareza. Eles esquecem que Deus deu riquezas a Salomão por um motivo. A razão é que quando Deus prometeu a Salomão que daria a ele qualquer coisa, Salomão pediu por sabedoria para reinar sobre o povo. Deus ficou tão feliz por Salomão não ter pedido por riquezas (entre outras coisas) que juntamente com a sabedoria também deu riquezas. Contudo, Salomão não usou sua sabedoria como Deus tinha planejado e consequentemente se tornou o homem mais tolo que já existiu. Se tivesse sido sábio, teria dado ouvidos ao que Deus disse a Israel na Lei muito antes de ter nascido:

Se quando entrarem na terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá, tiverem tomado posse dela, e nela tiverem se estabelecido, você disserem: “Queremos um rei que nos governe, como têm todas as nações vizinhas”, tenham o cuidado de nomear o rei que o Senhor, o seu Deus, escolher. Ele deve vir dentre os seus próprios irmãos israelitas. Não coloquem um estrangeiro como rei, alguém que não seja israelita. Esse rei, porém, não deverá adquirir muitos cavalos, nem fazer o povo voltar ao Egito para conseguir mais cavalos, pois o Senhor lhes disse: “Jamais voltem por este caminho”. Ele não deverá tomar para si muitas mulheres; se o fizer, desviará o seu coração. Também não deverá acumular muita prata e muito ouro (Dt. 17:14-17).

Aqui está outra passagem que os pregadores da prosperidade sempre ignoram, seguindo o exemplo de Salomão, que também a ignorou para sua própria morte. E assim como ele, também se tornam idólatras. Lembre-se de que o coração de Salomão foi desviado por suas muitas esposas para adorar ídolos, esposas que só pôde sustentar por causa do uso impróprio de suas riquezas.

Deus queria que Salomão usasse suas riquezas dadas por Deus para amar seu próximo como a si mesmo, mas Salomão as usou para amar somente a si próprio. Ele adquiriu mais ouro, prata, cavalos e esposas para si, desobedecendo diretamente o mandamento de Deus. No fim, ele tinha setecentas esposas e trezentas concubinas, fazendo assim com que mil homens ficassem sem esposas. Ao invés de dar aos pobres, Salomão satisfez a si mesmo. É incrível que pregadores da prosperidade tenham Salomão como modelo para todos os cristãos da nova aliança em vista de seu egoísmo e idolatria. Nosso objetivo não é nos tornarmos como Cristo?

“Deus Fez de Abraão um Homem Rico e Suas Bênçãos Também se Extendem a Nós” (“God Made Abraham Rich, and Abraham’s Blessings Are Promised To Us”)

Essa justificação é firmada na palavra de Paulo encontrada no terceiro capítulo de Gálatas. Citarei o versículo, que muitas vezes é mal interpretado, mas dentro do contexto.

Prevendo a Escritura que Deus justificaria os gentios pela fé, anunciou primeiro as boas novas a Abraão: “Por meio de você todas as nações serão abençoadas”. Assim, os que são da fé são abençoados junto com Abraão, homem de fé.

Já os que se apoiam na prática da Lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: “Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da Lei”. É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela Lei, pois o justo viverá pela fé. A Lei não é baseada na fé, ao contrário, “quem praticar estas coisas, por elas viverá”. Cristo nos redimiu da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro”. Isso para que em Cristo Jesus a bênção de Abraão chegasse também aos gentios, para que recebêssemos a promessa do Espírito mediante a fé (Gl. 3:8-14, ênfase adicionada).

A “bênção de Abraão” sobre a qual Paulo escreve no versículo 14 era a promessa de Deus de que todas as nações seriam abençoadas através de Abraão (o que Paulo disse no versículo 8), ou de forma mais específica, como Paulo explicou alguns versículos mais tarde, através do descendente de Abraão, Jesus (Gl. 3:16). De acordo com o que acabamos de ler, Jesus entregou a bênção prometida a todas as nações ao ser amaldiçoado por Deus, morrendo pelos pecados do mundo na cruz. Então, a bênção de Abraão que chega aos gentios não é a respeito de Deus tornar as pessoas ricas materialmente como ele, mas a respeito da promessa de Deus a Abraão de abençoar os gentios através de seu descendente — e seu cumprimento por Jesus através de Sua morte na cruz por eles. (O tema predominante de Paulo aqui é que os gentios podem ser salvos, assim como os judeus, pela fé em Jesus.)

Outra Torcida (Another Twisting)

Essa mesma passagem é muitas vezes usada de forma distorcida por pregadores da prosperidade para justificar sua doutrina. Eles dizem que, porque a Lei prometeu a maldição da pobreza para aqueles que não a cumprissem (veja Dt. 28:30-31, 33, 38-40, 47-48, 51, 68), e porque Paulo escreveu que “Cristo nos redimiu da maldição da Lei” em Gálatas 3:13, nós que estamos em Cristo fomos redimidos da maldição da pobreza.

Em primeiro lugar, é questionável que Paulo estivesse pensando nas maldições específicas encontradas em Deuteronômio 28 quando escreveu sobre a “maldição da Lei” da qual Cristo nos redimiu. Note que Paulo não disse que Cristo nos redimiu das “maldições” (plural) da Lei, mas da “maldição” (singular), talvez dando a entender que toda a Lei era uma maldição aos que tentassem encontrar a salvação cumprindo-a. Uma vez que somos redimidos por Cristo, não cometeríamos mais esse erro e, portanto, estaríamos redimidos da “maldição da Lei”.

Se Paulo estivesse realmente dizendo que Cristo nos redimiu de todas as coisas desastrosas citadas em Deuteronômio 28, garantindo assim nossa prosperidade material, teríamos que nos perguntar por que Paulo escreveu sobre si mesmo: “Até agora estamos passando fome, sede e necessidade de roupas, estamos sendo tratados brutalmente, não temos residência certa” (1 Co. 4:11). Também teríamos que nos perguntar por que Paulo escreveria:

Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: “Por amor de ti enfrentamos a morte todos os dias; somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro” (Rm. 8:35-36).

Obviamente, Paulo não teria escrito essas palavras se todos os cristãos fossem isentos de sofrerem perseguição, fome, nudez, perigo ou espada em virtude de Cristo ter nos redimido da maldição da Lei.

Também teríamos que nos perguntar por que Jesus predisse a seguinte cena celestial:

Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita? “Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram”. Então os justos lhe responderão: “Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos; ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?” O Rei responderá: “Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram” (Mt. 25:34-40, ênfase adicionada).

Portanto, não há dúvida de que alguns dos crentes que foram redimidos da “maldição da Lei” se encontrarão em circunstâncias não tão prósperas. Note, contudo, que nas circunstâncias que Jesus descreveu, Deus proveu as necessidades dos crentes que sofriam, e o fez através de outros crentes que tinham mais do que precisavam. Podemos sempre esperar que Deus suprirá nossas necessidades, mesmo que, temporariamente, pareça que não.

Finalmente, esses pregadores da prosperidade que querem ser ricos como Abraão devem se perguntar com sinceridade se querem morar em uma tenda por toda a vida sem eletricidade ou água corrente! Deus esperava que aqueles a quem abençoava com riquezas no Velho Testamento usassem suas riquezas para a Sua glória, compartilhando de sua abundância com outros. Abraão fez isso, fornecendo emprego a centenas de pessoas, o que supria suas necessidades (veja Gn. 14:14). Jó também fez isso, e ainda testificou usando sua riqueza cuidando das viúvas e dos órfãos (veja Jó 29:12-13, 31:16-22). Os que têm como dom construir empresas devem se certificar que seu alvo principal é obedecer a Deus e amar seu próximo como a si mesmo.

“As Escrituras Dizem que Jesus se Tornou Pobre Para que Nós nos Tornássemos Ricos” (“Scripture Says That Jesus Became Poor So That We Could Become Rich”)

Realmente, a Bíblia diz:

Pois vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para que por meio de sua pobreza vocês se tornassem ricos (2 Co. 8:9).

É argumentado que já que essa passagem obviamente diz que Jesus era materialmente rico no céu e se tornou materialmente pobre na terra, Paulo tinha em mente riqueza material quando escreveu que seus leitores podem se tornar ricos através da pobreza de Cristo. Eles dizem que, se Paulo estava falando de riqueza e pobreza materiais na primeira parte do versículo, certamente não falaria de riquezas espirituais na segunda parte.

Contudo, se Paulo realmente quis dizer que nos tornaríamos materialmente ricos por causa da pobreza material de Cristo, devemos nos perguntar por que escreveu alguns versículos mais adiante na mesma carta:

Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez (2 Co. 11:27).

Se em 2 Coríntios 8:9 Paulo quis dizer que Cristo se tornou materialmente pobre para que pudéssemos nos tornar materialmente ricos, então, o propósito de Cristo não estava sendo cumprido na vida de Paulo! Logo, é óbvio que Paulo não quis dizer que Cristo se tornou materialmente pobre para que pudéssemos nos tornar materialmente ricos nessa terra. Ele quis dizer que nos tornaríamos espiritualmente ricos, “ricos para com Deus”, tomando emprestada uma expressão usada por Jesus (veja Lc. 12:21), e ricos nos céu, onde estão nossos tesouros e nosso coração.

É realmente seguro assumir que, porque Paulo falava de riqueza material em uma parte de uma frase não poderia falar de riqueza espiritual em outra parte dessa frase, como os pregadores da prosperidade dizem? Considere as seguintes palavras que Jesus falou a alguns de Seus seguidores na cidade de Esmirna:

Conheço as suas aflições e a sua pobreza; mas você é rico (Ap. 2:9a)!

Está claro que Jesus estava falando da pobreza material que os crentes de Esmirna estavam enfrentando, e apenas quatro palavras depois falava da riqueza espiritual desses mesmo crentes.

“Jesus Prometeu Devolver Cem Vezes Mais do que Damos” (“Jesus Promised a Hundred-Fold Return on Our Giving”)

Jesus prometeu dar cem vezes mais para aqueles que fizessem certos sacrifícios. Vamos ler exatamente o que Ele disse:

Digo-lhes a verdade: Ninguém que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, ou campos, por causa de mim e do evangelho, deixará de receber cem vezes mais, já no tempo presente, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, e com eles perseguição; e, na era futura, a vida eterna (Mc. 10:29-30).

Note que essa não é uma promessa para aqueles que dão dinheiro aos pregadores, como é muitas vezes dito por pregadores da prosperidade. Essa é uma promessa àqueles que deixam casas, campos e família para pregar o evangelho. Jesus prometeu para essas pessoas “cem vezes mais, já no tempo presente”.

Mas Jesus estava prometendo que tais pessoas literalmente se tornariam donas de cem casas ou campos como dizem alguns pregadores da prosperidade? Não mais do que prometia que tais pessoas teriam literalmente cem mães e cem filhos. Jesus estava simplesmente dizendo que os que deixam suas casas e famílias veriam que companheiros cristãos abririam suas casas e os acolheriam como família.

­Note que Jesus também prometeu perseguição e vida eterna a tais pessoas. Isso nos lembra do contexto da passagem, no qual os discípulos viam um jovem rico que queria a vida eterna sair abatido enquanto Jesus dizia: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mc. 10:25).

Os discípulos ficaram chocados com a afirmação de Jesus e se perguntaram sobre suas próprias chances de entrar no reino de Deus. Eles lembraram Jesus do que tinham deixado para trás para segui-Lo. Foi então que Ele fez a promessa “cem vezes mais”.

Tudo isso sendo verdade, é inacreditável que qualquer pregador da prosperidade tente nos convencer de que Jesus estava prometendo um retorno material de literalmente cem vezes mais (o que nos faria incrivelmente ricos em pouco tempo) já que segundos antes tinha dito a um homem rico que vendesse tudo o que tinha e desse aos pobres se quisesse a vida eterna!

Existem muitas outras passagens que os pregadores da prosperidade torcem além das que consideramos, mas o espaço nos limita neste livro. Tenha cuidado!

Um Princípio Fundamental para Lembrar (A Maxim to Remember)

João Wesley, fundador do movimento Metodista na igreja da Inglaterra, criou um princípio fundamental maravilhoso a respeito da perspectiva que se deve ter do dinheiro: “Faça o quanto puder; guarde o quanto puder; doe o quanto puder”.

Isto é, primeiro os cristãos devem trabalhar duro, usando suas habilidades e oportunidades dadas por Deus para fazer dinheiro, mas estando certos de que o façam honestamente e sem violar nenhum dos mandamentos de Cristo.

Em segundo lugar, devem viver de forma econômica e simples, gastando o mínimo possível em si mesmo, o que os capacita a guardar “o quanto puderem”.

Finalmente, depois de terem seguido os dois primeiros passos, devem “doar o quanto puderem”, sem se limitarem a um décimo, mas negando a si mesmo o quanto possível para que as viúvas e os órfãos possam ser alimentados e o evangelho proclamado ao redor do mundo.

Com certeza a Igreja primitiva praticava tal mordomia, e compartilhar com os necessitados era algo regular na vida do Novo Testamento. Os primeiros cristãos levavam a sério o mandamento de Jesus aos Seus seguidores: “Vendam o que têm e dêem esmolas. Façam para vocês bolsas que não se gastem com o tempo, um tesouro nos céus que não se acabe, onde ladrão algum chega perto e nenhuma traça destrói” (Lc. 12:33). Lemos no relato de Lucas da Igreja primitiva:

Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham… e grandiosa graça estava sobre eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um (At. 2:44-45, 4:32-35).

As Escrituras também deixam claro que a Igreja primitiva alimentava e provia as necessidades das viúvas pobres (veja At. 6:1; 1 Tm. 5:3-10).

Paulo, o maior apóstolo que já viveu, confiado por Deus para levar o evangelho aos gentios, autor humano da grande maioria das epístolas do Novo Testamento, considerou que, prover as necessidades materiais dos pobres, era uma parte essencial de seu ministério. Entre as igrejas que fundou, Paulo levantou grandes somas de dinheiro para os cristãos pobres (veja At. 11:27-30; 24:17; Rm. 15:25-28; 1 Co. 16:1-4; 2 Co. 8-9; Gl. 2:10). Pelo menos dezessete anos após sua conversão, Paulo viajou a Jerusalém para submeter o evangelho que tinha recebido ao exame de Pedro, Tiago e João. Nenhum deles encontrou coisa alguma de errado com a mensagem que estava pregando, e como Paulo recontou na ocasião em sua carta aos Gálatas, “Somente pediram que nos lembrássemos dos pobres, o que me esforcei por fazer” (Gl. 2:10). Na mente de Pedro, Tiago, João e Paulo, mostrar compaixão aos pobres vinha logo após a proclamação do evangelho.

Resumindo (In Summary)

Com respeito a isso, o melhor conselho a ministros discipuladores vem do apóstolo Paulo, que depois de advertir Timóteo dizendo que o “amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” e que “algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos”, o exortou:

Você, porém, homem de Deus, fuja de tudo isso e busque a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão (1 Tm. 6:11, ênfase adicionada).

 


[1] Muitas vezes os pregadores da prosperidade usam esse fato para provar que o ministério de Jesus era próspero. Não há dúvidas de que Deus supriu as necessidades de Jesus para que pudesse cumprir Sua missão. A diferença entre Jesus e os pregadores da prosperidade é que Jesus não era egoísta e não usou o dinheiro de seu ministério para ficar rico.